Quando uma
língua morre, o seu legado é incorporado ao patrimônio dos idiomas
descendentes. Dito em palavras pobres, o trabalho da filologia é ir buscar a
herança que adquirimos e que rendem frutos nas línguas modernas. Descobrimos,
assim, uma rede de relações que nos liga à panínsula itálica, à Magna Grécia e
chega aos territórios indianos, onde ainda hoje o sânscrito é usado em certos
âmbitos. Encontramos ainda elementos da língua que afundam raízes na África, no
Oriente Médio, sem falar das influências anglófonas que lançam seus tentáculos do hemisfério norte. O português tem parentes nos quatro cantos do mundo!
Isso é uma
grande vantagem para quem quer aprender o português, pois poderá buscar na
própria língua recursos para a compreender melhor a nossa. É também uma grande
vantagem para o falante nativo que quer aprender uma língua estrangeira, pois
encontrará na própria língua portuguesa elementos úteis para descobrir o novo
idioma. E isso é ainda um grande sinal de vitalidade do português. A
contaminação que sofre de outras línguas cria anticorpos poderosos. Para
brincar, podemos dizer que as palavras estrangeiras são as bactéricas do
sistema e o seu aportuguesamento são os anticorpos desenvolvidos que nos
reforçam.
Mas, se o
português morresse – e um dia morrerá (um dia ainda muito distante na história) –
que legado deixaria? Que força transmitirá às línguas por ele contaminado?
Vox populi, vox Dei. Eu aposto no povo. Se a gramática vem para
moderar os erros do povo, o testamento, a filologia, vem recolher as pérolas da
vida cotidiana que restam na língua viva. As expressões eruditas permanecem
circunscritas na linguagem setorial.
O que a
nossa cultura de massa – a moderna e urbana cultura popular – pode deixar aos
falantes do futuro?
Na minha
opinião, tenderemos a simplificar ainda mais a sintaxe, eliminando a pontuação,
como se as nossas entranhas reclamassem arcaísmos dos quais nos afastamos.
Deixaremos
também um princípio de composição, capaz de unir termos em circulação para
criar novos sentidos, e um princípio de derivação em condições de declinar nas
várias classes gramaticais o sentido de um elemento de base.
Mas o maior
legado é o semântico. E é um tesouro profundamente arraigado na cultura. Creio
que deixaremos uma criatividade de associação de ideias, de deslocamento de
sentidos, de ambiguidades.
Se
conseguirmos deixar essa herança, então poderemos dizer que o português terá
deixado aos póstumos um legado cultural, comparável à riqueza de lógica
sintática que herdamos do latim.
Eu nunca havia lido algo assim. Parabéns pelo tema, pelas informações e pelo didatismo.
ResponderExcluirClaudia,
Excluirobrigada pela sua leitura preciosa.
Gislaine