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É MEU FREGUÊS!

Quem já ouviu a expressão "É meu freguês!" exclamada em um estádio de futebol nunca ficou surpreso? Eu fiquei. Achei engraçada e criativa. A primeira vez que ouvi acho que o Internacional de Porto Alegre jogava com o Juventude de Caxias do Sul. Eram rivais, porque o Juventude por volta dos anos noventa estava decidido a obter a liderança no campeonato de futebol gaúcho, onde então reinavam somente duas estrelas: a do Inter e a do Grêmio. Quem é muito jovem não lembra da rivalidade de outros tempos, que incluía o São José e o Cruzeiro  (que voltaram ao campeonato recentemente), o Aimoré... Nos anos noventa os times fortes eram o Inter, o Grêmio e o Juventude.
Quando uma equipe estava ganhando, a sua torcida gritava para o adversário: "É meu freguês!". Também usavam outra expressão: "Touca!" - alusão ao frio do Sul, mas isso é assunto para outro texto. Por que o time que perde "é freguês"? Porque o freguês faz o interesse do comerciante.
Freguês, no português do Brasil, é a palavra mais popular para indicar cliente. Mas freguês tem uma longa e interessante história. Aí vai.
Freguês é uma contração da expressão latina "filius ecclesiae", filho da Igreja, ou seja, o fiel. A freguesia, portanto, inicialmente indicava a comunidade cristã nas terras lusitanas. A invasão árabe provocou uma grande desestruturação nas várias comunidades, mas com a reconquista do território, as freguesias foram recompostas, assumindo também um sentido geográfico, não somente religioso. No Brasil também há fenômenos semelhantes, penso na Freguesia do Ó, um bairro de São Paulo, por exemplo. Mas em Portugal, hoje, o termo possui uma acepção precisa, indica uma divisão territorial, enquanto no Brasil é uma indicação genérica, sem valor jurídico.

De freguês a cliente:
Dá para imaginar que a associação de freguês com cliente é plausível, sobretudo se lembramos que freguês é o cliente habitual, o cliente que volta sempre. É uma pessoa conhecida, que pertence àquele circuito, como os fregueses no passado pertenciam à comunidade.

O cliente sempre tem razão?
Estava comentando sobre a história do termo freguês com meu marido e falando do fato de, na expressão "é meu freguês", estar implícita a convicção de que o freguês faz o interesse do outro. Ele respondeu: "é claro, como dizia Adam Smith". E citou o pai da economia moderna em uma passagem célebre (que eu não conhecia, admito a ignorância): "Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo próprio interesse. Nós apelamos não à sua humanidade mas ao seu amor próprio, e não falamos das nossas necessidades mas da conveniência para eles".
Acho que meu marido tem razão, mas acho que há também uma raiz cultural que subjaz essa tal modernidade: se o freguês era o "paroquiano", ele era uma pessoa que a cada domingo prometia obedecer aos conselhos do padre e não mais pecar. Só que todo mundo peca, todo dia, daí a necessidade de retornar à missa e prometer de novo obedecer e não mais pecar... O freguês, por definição, é habitual.
Sim, o freguês está em uma relação de subordinação.
Dizer que o cliente sempre tem razão é história da carochinha.


Comentários

  1. "... o freguês está em uma relação de subordinação..." não...um depende do outro, não há subordinação, mas sim cooperação. o padeira me vende o pão a 1 real =, por que ele prefere 1 real em vez do pão, ja o cliente prefere o pão a ter 1 real.

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  2. Sobre a minha conclusão em relação à subordinação e não à cooperação, retomo a citação de Adam Smith que tinha citado no parágrafo anterior: "Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo próprio interesse. Nós apelamos não à sua humanidade mas ao seu amor próprio, e não falamos das nossas necessidades mas da conveniência para eles". Numa relação de necessidade x conveniência, a única cooperação existente é a da hipocrisia, que oculta uma relação assimétrica e desigual.

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