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O ÓBVIO ULULANTE, UMA PARÁBOLA PORNOGRÁFICA

De Nelson a Verônica, a linguagem cumpre uma parábola volumosa que se expande e se contrai, deixando o leitor à beira da deriva. É aí que sentimos a necessidade de encontrar uma paráfrase para o que não é verbalizado.

O óbvio ululante
O óbvio ululante é tão óbvio que chega a ser difícil explicá-lo com palavras. A sua constatação se exprime por um grunhido, é uma reação pré-lógica. A sua evidência materializa-se por uma interjeição, para dizer de outra forma. Lança mão da mais arcaica e visceral das classes de palavras, é um fracasso para quem acha que para tudo existe uma definição.
Ah! Uh! Ih! Eh! Oh!
É uma espécie de uivo admitido pelas severas normas gramaticais. A expressão de Nelson Rodrigues é fácil de entender até certo ponto: o óbvio ululante, na realidade, é algo que temos dificuldade para descrever analiticamente. É uma concentração de sentidos, uma espécie de bomba linguística pronta para explodir.
E de vez em quando explode.
 
A Pornografia
Está aí a Verônica Stigger que não me deixa mentir. Ela pega o óbvio e leva-o ao extremo das possibilidades sintáticas. Faz com a língua o que um engenheiro faz com um projeto: explode o desenho, mostrando todas as minúcias do mecanismo. Verônica e os engenheiros não têm pudor.
Luis Fernando Verissimo dizia ser um gigolô das palavras. Espelha nessa ironia a relação de dominação infelizmente tradicional na cultura patriarcal que nos abarca, deslocando-a para a linguagem. Vão-se desde então trinta anos. A gramática literária de Verônica atinge outro patamar: é uma pornografia estética que ataca o bom-mocismo do leitor médio. É a forma explodida do óbvio ululante.
A língua portuguesa precisa disso? Precisa, porque talvez estejamos colocando coisas indevidas no balaio das obviedades cotidianas. Recitamos a violência com tanta compostura, que já nos falta na garganta o grito de horror, falta o uivo, falta a interjeição. Quando Verônica explicita essa violência e desmembra-a em frases, ela volta a espantar e a arrancar hurros. Talvez espere murros e críticas. Mas de mim recebe aplausos.

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