Belestrismo é um termo derivado e aportuguesado do francês "belles lettres", as belas letras. O beletrismo é geralmente usado em sentido pejorativo, para indicar uma atitude de afetação em relação à cultura. É a ostentação da cultura. É a publicidade enganosa.
Costumo associar ao beletrismo o nosso arraigado bacharelismo, mas, muito melhor do que eu, Lima Barreto soube bem exemplificar o que é bacharelismo e reles beletrismo no magistral conto "Numa e a Ninfa". O protagonista é um bacharel formado por apostila, especialista em resumos, com um verniz de cultura de almanaque, o suficiente para fazer uma ou outra citação capaz de causar efeito em uma plateia tão culta quanto ele. O drama do deputado Numa evidencia-se quando ele descobre que a ajudar a redigir os seus discursos não é somente a esposa abnegada, disposta a varar madrugadas para salvar a reputação do marido, mas o amante que é ninguém menos que o seu adversário político. A solução cômica dada pelo autor, mas tragicamente real quanto ocorre na realidade, é o sucesso do deputado no dia seguinte no plenário. Melhor um par de cornos privados que um vexame público. Lima Barreto é de uma atualidade assombrosa!
Tem um outro aspecto do beletrismo menos cômico e menos trágico, mas não menos triste, porque discriminatório. Lembro bem quando ouvi o exemplo de um ilustre docente universitário. Referindo-se às colegas de departamento, explicava aos alunos que os professores (homens) de Letras não eram como as professoras (mulheres) que só tinham escolhido aquela carreira para terem melhores oportunidades de encontrar um bom marido. Para o ilustre professor, ser uma docente de Letras enquadrava-se no modelo clássico da moça de boa família que conhecia línguas, bordado e piano. Eram somente um pouco mais moderninhas. Para o ilustre professor, as professoras que investiam na carreira universitária na área de Letras faziam-no somente para ostentar uma cultura que possuíam apenas superficialmente. Esse era o sentido último do seu discurso misógino: a cultura para um homem é prerrogativa para uma carreira, para uma mulher é beletrismo ou, na melhor das hipóteses, verniz estratégico para encontrar marido. O que, no mar de discriminação que ele contaminava, até que tinha uma aplicação nobre. Mas não correspondia à verdade na maioria das vezes. Assim como não correspondia à verdade o fato de os homens serem menos beletristas nessa área. Quem conhece um pouco o ambiente das Letras, sabe que é uma fogueira de vaidades. Sabe que ostentar cultura ainda está na ordem do dia. E não há distinção de sexo.
Também lembro de uma professora convencida de que os alunos de Letras só podiam vir das classes mais abastadas. Do contrário não fariam um curso que leva a tanta abnegação financeira. Ela não cansava de repetir em suas aulas que os seus alunos só trabalhavam ("faziam bicos", como se diz comumente) para "comprar os seus alfinetes". O trabalho era visto como um supérfluo na existência de pessoas que já estavam com o futuro garantido.
Por sorte eu não fazia parte desse círculo tão exclusivo. Enquanto muita gente que me conhecia comentava com pesar sobre a minha escolha, eu respondia: Por quê? Com esse deserto, terei trabalho pelos próximos quinhentos anos.! - respondia. Até agora não me enganei.
Costumo associar ao beletrismo o nosso arraigado bacharelismo, mas, muito melhor do que eu, Lima Barreto soube bem exemplificar o que é bacharelismo e reles beletrismo no magistral conto "Numa e a Ninfa". O protagonista é um bacharel formado por apostila, especialista em resumos, com um verniz de cultura de almanaque, o suficiente para fazer uma ou outra citação capaz de causar efeito em uma plateia tão culta quanto ele. O drama do deputado Numa evidencia-se quando ele descobre que a ajudar a redigir os seus discursos não é somente a esposa abnegada, disposta a varar madrugadas para salvar a reputação do marido, mas o amante que é ninguém menos que o seu adversário político. A solução cômica dada pelo autor, mas tragicamente real quanto ocorre na realidade, é o sucesso do deputado no dia seguinte no plenário. Melhor um par de cornos privados que um vexame público. Lima Barreto é de uma atualidade assombrosa!
Tem um outro aspecto do beletrismo menos cômico e menos trágico, mas não menos triste, porque discriminatório. Lembro bem quando ouvi o exemplo de um ilustre docente universitário. Referindo-se às colegas de departamento, explicava aos alunos que os professores (homens) de Letras não eram como as professoras (mulheres) que só tinham escolhido aquela carreira para terem melhores oportunidades de encontrar um bom marido. Para o ilustre professor, ser uma docente de Letras enquadrava-se no modelo clássico da moça de boa família que conhecia línguas, bordado e piano. Eram somente um pouco mais moderninhas. Para o ilustre professor, as professoras que investiam na carreira universitária na área de Letras faziam-no somente para ostentar uma cultura que possuíam apenas superficialmente. Esse era o sentido último do seu discurso misógino: a cultura para um homem é prerrogativa para uma carreira, para uma mulher é beletrismo ou, na melhor das hipóteses, verniz estratégico para encontrar marido. O que, no mar de discriminação que ele contaminava, até que tinha uma aplicação nobre. Mas não correspondia à verdade na maioria das vezes. Assim como não correspondia à verdade o fato de os homens serem menos beletristas nessa área. Quem conhece um pouco o ambiente das Letras, sabe que é uma fogueira de vaidades. Sabe que ostentar cultura ainda está na ordem do dia. E não há distinção de sexo.
Também lembro de uma professora convencida de que os alunos de Letras só podiam vir das classes mais abastadas. Do contrário não fariam um curso que leva a tanta abnegação financeira. Ela não cansava de repetir em suas aulas que os seus alunos só trabalhavam ("faziam bicos", como se diz comumente) para "comprar os seus alfinetes". O trabalho era visto como um supérfluo na existência de pessoas que já estavam com o futuro garantido.
Por sorte eu não fazia parte desse círculo tão exclusivo. Enquanto muita gente que me conhecia comentava com pesar sobre a minha escolha, eu respondia: Por quê? Com esse deserto, terei trabalho pelos próximos quinhentos anos.! - respondia. Até agora não me enganei.
Gostaria de saber o nome do autor. Bom texto. Abraços
ResponderExcluirOlá, Evanildes. O texto acima, como a maioria dos textos do blog (salvo indicação explícita do autor), foi escrito por mim. Obrigada, Gislaine
ResponderExcluirGislaine, o blog é ótimo mas faltam informações sobre você Gostei de ter encontrado uma pergunta de alguém curioso para saber o autor de um texto sobre o beletrismo. Você escreve muito bem. Exiba-se! Deve aparecer como anônimo mas é porque não aceitou meu nome: Rosa Leda Gabrielli
ResponderExcluirObrigada, Rosa. Vou atualizar os meus dados!
ResponderExcluirExcelente.
ResponderExcluirObrigada.
ExcluirExcelente artigo! E que escrita, hein!?
ResponderExcluirOtimo texto. Uma pergunta:chamar alguém formado em Letras de beletrista é algo ofensivo,pejorativo? Eu não sabia disso.
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