Eu era
criança e sofria a péssima influência das personagens populares da tevê. Uma
delas era Ofélia, uma personagem cômica que terminava os seus esquetes dizendo:
“eu só abro a boca quando tenho certeza!”. Obviamente a personagem preenchia o
seu tempo no vídeo dizendo uma série de bobagens, ou de abobrinhas, como
dizemos metaforicamente.
A Ofélia
era o anti-Platão por excelência: uma figura deletéria para quem está
descobrindo o alcance da linguagem. A Ofélia era péssimo modelo para as meninas
e para as mulheres. A Ofélia certamente divertia os ditadores. A ignorância faz
rir, a dúvida faz preocupar, na visão de alguns. Mas a ignorância certamente não
é algo ridículo, e as dúvidas deveriam ser estimulantes. Quem não tem dúvida é
pouco humano. Quem duvida está sempre à procura de si mesmo e dos outros.
Às vezes
quero publicar uma série de coisas aqui no blog, coisas que vão ficando
acumuladas no meu caderninho e que ainda não estão suficientemente
sistematizadas para o meu nível de vaidade pessoal. É quando tenho a crise de
Ofélia. O resultado é que o blog fica parado. Só compartilha os instantes de
reflexão provisória quem frequenta as minhas aulas. Verba
volant, scripta manent.
Percebo que
preciso de mais Platão no meu cotidiano. Mais perguntas, mesmo que não tenha
resposta para elas.
Compartilho
então algumas perguntas para as quais ainda não tenho respostas sistemáticas.
Fico na esfera da semântica, para que este texto não vire um tratado.
- Tendemos
a usar de modo figurado partes do corpo, a fauna e a flora? Ex.: “Estou com um
abacaxi nas mãos: o meu braço direito só diz abobrinhas e eu pago o pato”.
- Nomeamos instrumentos
de trabalho e utensílios associando sempre ao corpo, à fauna e à flora? Ex.: “Meu
vizinho fixou a cabeça do parafuso no cabo de uma concha para fazer um gato”.
- Usamos os
nossos próprios nomes para criar sentidos figurados? Ex.: “Ele é um
joão-ninguém e ela é uma maria-vai-com-as outras: são tirados para cristo toda
hora”.
Moral da
história, provisória: prestem atenção às palavras mais comuns do nosso
cotidiano. É muito provável que possam ser empregadas em diferentes esferas,
com diferentes sentidos. Lembrem que as coisas mais interessantes são
figuradas: o bom humor pode estar em uma ironia, em uma metáfora ou em uma
metonímia (no exemplo do “cristo”); uma metáfora pode ajudar a ligar a imagem à
função (no exemplo da “cabeça do parafuso”). Eu tenho essa impressão da nossa
língua portuguesa: de uma língua irônica e muito visual.
Ah, e o
cabra-macho? É um valentão (os aumentativos assumem de forma figurada um valor
irônico!) que não deveria ter entrado na história.
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