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Mostrando postagens de novembro, 2013

PARA QUE FALAR DO MUNDO QUANDO SE FALA DA LÍNGUA

Quem lê o Palavras Debulhadas já está acostumado a ler textos sobre coisas que aparentemente nada têm a ver com a língua. Só que a aparência engana. Eu costumo dizer assim: falar da estrutura da língua, falar da sua gramática, é louvável. Mas a língua é muito mais do que isso. A língua é um veículo poderoso de comunicação, que se conecta a gestos (que é linguagem não-verbal, mas extremamente comunicativa), que possui musicalidade (também essa uma linguagem não-verbal, mas que se relaciona mais diretamente à estrutura da língua por causa da fonética), que pode ter dimensão plástica (a literatura do século XX está aí para ensinar que a disposição da língua escrita na folha de papel comunica algo só por sua dimensão, cor e disposição espacial). Há um longo caminho a ser percorrido pela escola, para que o ensino deixe de apostar na gramática como elemento predominante da aprendizagem e valorize a língua em todos os seus aspectos - inclusive, mas não só, gramatical. Sei que isso vai se

NÃO É BAGUNÇA, É ENTROPIA

Em junho deste ano dediquei uma postagem aos termos utilizados para definir os manifestantes que protestavam e estão protestando em todo o Brasil: http://palavrasdebulhadas.blogspot.it/2013_06_01_archive.html Mas na lista dos termos faltou uma palavra brasileiríssima: bagunça. A sua origem não é clara, as fontes que consultei sugerem raízes bem diferentes: para alguns, a palavra vem do celta, para outros do francês, outros dizem que pode ter surgido em Minas Gerais, derivada da palavra bagaço. Pessoalmente, acho a última hipótese interessante, mas é bom deixar claro que estamos falando de gosto, não de provas. Talvez, um dia, as provas da sua origem sejam reencontradas, em um texto velho, empoeirado, perdido em algum arquivo ou sótão. Encontrar a fonte do seu uso primordial na língua representaria o elo perdido para entendermos essa palavra tão comum e tão usada entre nós. E a história acaba assim, explicando que não sabemos onde tudo começou? Claro que não. Porque a bagunça tem

RACISMOS

Hoje estava na dúvida se falar de "bagunça" ou de racismo. Optei pelo último termo por questões cronológicas, para não perder a ocasião de relembrar a semana da consciência negra. Mas esperem logo a postagem sobre a "bagunça". Vamos ao racismo! O que isso tem a ver com o português? Em primeiro lugar, há a questão histórica. Depois, há a questão científica, que, mesmo tentando negar, historiciza-se e sucumbe ao limite do seu tempo: sempre há tempo para recordar que toda ciência é feita de hipóteses, e que toda hipótese é destinada a ser posta à prova ao longo do tempo. Enfim, há a questão da língua, que veicula, sem advertir os falantes de que nada é definitivo, de que tudo muda o tempo todo. Todo racismo é histórico, mas estamos esperando há tempo demais uma mudança de mentalidade. Ou os historiadores estão falhando, ou a ciência está sendo ineficaz, ou a língua não está veiculando as novidades, ou os falantes estão fazendo resistência à inexorável mudança do

ESTA NÃO É A SUA VIDA

Dizem que o público das tragédias gregas na época da Grécia antiga experimentava a sensação de catarse: sentia como se vivenciasse realmente o que estava apenas vendo ser representado no palco. Dizem que o público shakesperiano não só confundia o ator com a personagem representada, mas também comia, bebia e conversava no Globe Theater enquanto a cena era representada. Dizem que o telespectador brasileiro não faz distinção entre o ator e a personagem da novela televisiva. Dizem que Molière morreu durante uma encenação de O doente imaginário: mais sobreposição entre realidade e representação impossível. Deve ser por isso que os possíveis biografados brasileiros têm tanto medo dos autores. O leitor não vai saber fazer a distinção entre a representação e a realidade... Qual realidade? Não era Caetano Veloso que dizia que de perto ninguém é normal? Enfim, eu entendo que os ídolos não queiram ser biografados. Não queiram estar acima do bem e do mal. Queiram aquela cotidianidade median