Gente, que mania essa de ficar mudando ortografia por decreto!
Não está de bom tamanho a polêmica internacional sobre o novo acordo ortográfico? Até parece que os nossos parlamentares, doutos em linguística e gramática, pegaram o gostinho.
Ilustres parlamentares: a gente não mexe em time que está ganhando! Deixem a língua viver em paz!
Quando a gente começa a mexer muito, traça um destino: morte ou vida artificial.
É assim com todas as línguas que não se desenvolvem espontaneamente.
As línguas artificiais, como o esperanto, podem ser apenas língua instrumental, nunca serão língua de identidade cultural.
Já as línguas mortas, como o latim, sobrevivem graças ao esqueleto bem conservado, mas não produzem inovação.
Língua viva é como a gente: aventura-se, deixa-se influenciar por outras, às vezes se perde, às vezes retoma o seu caminho com elegância.
E haja elegância! O nosso falar coloquial está cheio de expressões de ilustre origem, a gente nem se dá conta disso (por conhecer pouco a etimologia das palavras): mas a riqueza está lá, como um diamante que ainda não foi lapidado.
Há muitos casos. Por exemplo, outro dia eu falava da expressão "patavina". O termo refere-se a Pádua, ou melhor, a Tito Lívio, um seu ilustre cidadão (o tal patavino - lembrando que a alternância d/t é bastante comum em português na sua evolução). Ele ficou famoso pela história de Roma que escreveu, mas teve uma obra bastante criticada por conter muitas expressões patavinas (ou seja, de Pádua), que os romanos não compreendiam. Daí a expressão "não entendi patavina".
Outro exemplo que eu adoro é "alfarrábio": "deixe eu consultar os meus alfarrábios!" (as minhas velhas e preciosas anotações). Então, vem do nome do filósofo medieval Abu Nasr Muhammad Farabi, conhecido como Avenasar ou Alfarábi, porque proveniente da província de Farab, no atual Turquistão. A sua cultura está toda sintetizada no apelido "Segundo Mestre", uma alusão ao primeiro mestre, Aristóteles, do qual era profundo conhecedor.
E o que dizer do "erro crasso"? Outra expressão cheia de história. Refere-se a Marco Licinio Crasso, general da República Romana na época do primeiro triunvirato. O nome de Crasso é associado a erro grosseiro, ligado à sua derrota na tentativa de conquistar o reino dos Partas (no atual Irã).
Haveria muitos outros, mas vou citar apenas mais um, que está na boca de todos em época eleitoral: "panfleto". Vem de Pamphilus seu de amore, título de uma popular obra medieval inglesa do século XII. É a popularidade da obra que depois foi associada aos populares materiais que são distribuídos nas ruas (não apenas políticos, no português usado no Brasil), mas que em algumas línguas assume uma conotação basicamente contestatória, quer se trate de uma obra literária, quer se trate de um manifesto.
Então, por que toda essa preocupação em simplificar a língua? Não seria mais substancioso, mais proveitoso para todos, empregar os esforços, o tempo e as verbas para valorizar a riqueza que já possuímos e não reconhecemos?
Digo mais: poderiam até massacrar a ortografia, como certos comunicados insinuaram. Isso não iria eliminar a história das palavras (espero que os exemplos acima ajudem a compreender o que estou afirmando). Mas repito, seria um desperdício, quando há coisas muito importantes nas quais investir. Começando por uma educação que valorize o patrimônio histórico e cultural subjacente a palavras tão comuns que nem sonhamos sejam ligadas a histórias tão interessantes.
Não está de bom tamanho a polêmica internacional sobre o novo acordo ortográfico? Até parece que os nossos parlamentares, doutos em linguística e gramática, pegaram o gostinho.
Ilustres parlamentares: a gente não mexe em time que está ganhando! Deixem a língua viver em paz!
Quando a gente começa a mexer muito, traça um destino: morte ou vida artificial.
É assim com todas as línguas que não se desenvolvem espontaneamente.
As línguas artificiais, como o esperanto, podem ser apenas língua instrumental, nunca serão língua de identidade cultural.
Já as línguas mortas, como o latim, sobrevivem graças ao esqueleto bem conservado, mas não produzem inovação.
Língua viva é como a gente: aventura-se, deixa-se influenciar por outras, às vezes se perde, às vezes retoma o seu caminho com elegância.
E haja elegância! O nosso falar coloquial está cheio de expressões de ilustre origem, a gente nem se dá conta disso (por conhecer pouco a etimologia das palavras): mas a riqueza está lá, como um diamante que ainda não foi lapidado.
Há muitos casos. Por exemplo, outro dia eu falava da expressão "patavina". O termo refere-se a Pádua, ou melhor, a Tito Lívio, um seu ilustre cidadão (o tal patavino - lembrando que a alternância d/t é bastante comum em português na sua evolução). Ele ficou famoso pela história de Roma que escreveu, mas teve uma obra bastante criticada por conter muitas expressões patavinas (ou seja, de Pádua), que os romanos não compreendiam. Daí a expressão "não entendi patavina".
Outro exemplo que eu adoro é "alfarrábio": "deixe eu consultar os meus alfarrábios!" (as minhas velhas e preciosas anotações). Então, vem do nome do filósofo medieval Abu Nasr Muhammad Farabi, conhecido como Avenasar ou Alfarábi, porque proveniente da província de Farab, no atual Turquistão. A sua cultura está toda sintetizada no apelido "Segundo Mestre", uma alusão ao primeiro mestre, Aristóteles, do qual era profundo conhecedor.
E o que dizer do "erro crasso"? Outra expressão cheia de história. Refere-se a Marco Licinio Crasso, general da República Romana na época do primeiro triunvirato. O nome de Crasso é associado a erro grosseiro, ligado à sua derrota na tentativa de conquistar o reino dos Partas (no atual Irã).
Haveria muitos outros, mas vou citar apenas mais um, que está na boca de todos em época eleitoral: "panfleto". Vem de Pamphilus seu de amore, título de uma popular obra medieval inglesa do século XII. É a popularidade da obra que depois foi associada aos populares materiais que são distribuídos nas ruas (não apenas políticos, no português usado no Brasil), mas que em algumas línguas assume uma conotação basicamente contestatória, quer se trate de uma obra literária, quer se trate de um manifesto.
Então, por que toda essa preocupação em simplificar a língua? Não seria mais substancioso, mais proveitoso para todos, empregar os esforços, o tempo e as verbas para valorizar a riqueza que já possuímos e não reconhecemos?
Digo mais: poderiam até massacrar a ortografia, como certos comunicados insinuaram. Isso não iria eliminar a história das palavras (espero que os exemplos acima ajudem a compreender o que estou afirmando). Mas repito, seria um desperdício, quando há coisas muito importantes nas quais investir. Começando por uma educação que valorize o patrimônio histórico e cultural subjacente a palavras tão comuns que nem sonhamos sejam ligadas a histórias tão interessantes.
Tem toda a razão.Parabéns
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