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TÃO -ONHO... TÃO INTRADUZÍVEL

A musicalidade é um dos pontos fortes da nossa língua portuguesa. Além da abundância de vogais (sete orais e cinco nasais), temos as consonâncias que se formam pela riqueza de -m, -n e -nh no nosso léxico. E temos as variações morfo-fonéticas, que só nós produzimos com tal criatividade.
Um exemplo é o sufixo -ano, do qual derivam -ão, -âneo, -anho, -enho, -ônio e -onho (que me interessa hoje), sem falar das flexões de gênero e número.
-Ano e seus derivados indicam origem, proveniência. Não por acaso, é utilizado em muitos adjetivos pátrios: americano, italiano, colombiano, etc. Também é interessante notar que o sufixo é pouco usado para os adjetivos pátrios referentes ao Velho Continente (casos específicos, justamente porque são nações jovens, são italiano e alemão) e muito utilizado no Novo Mundo, em que a pertença está ligada ao país que conquistou independência após o período colonial. Na Europa, a ideia de filiação (o nosso sufixo -ês), de uma pertença de "sangue", é muito mais comum: português, francês, finlandês, dinamarquês, inglês...
Mas voltemos ao -onho, que acho tão bonito, tão intraduzível!
-Onho dá a ideia não só de uma característica gerada por uma determinada condição, mas que causa uma reação: tristonho não é só alguém triste, mas que nos suscita tristeza. Medonho nos provoca medo. Risonho nos faz sorrir. Enfadonho nos aborrece. São qualidades que caracterizam e estabelecem uma relação: quando digo que uma amiga anda tristonha, compreendo a sua tristeza, deixo-me contaminar um pouquinho pela tristeza para melhor compreender e exprimi-la. Compartilho o sentimento e aquela musicalidade que se prolonga naquele sufixo desnecessário, que, se eu quisesse, diria de modo muito mais fácil e claro: ela anda triste. Mas tristonha é algo mais, e os nossos ouvidos percebem isso.
Por essas e outras razões, as línguas sempre conservam nichos, tesouros intraduzíveis, palavras que só podem ser compreendidas com o dicionário do coração. Isso é muito bom, pois quando as línguas forem totalmente traduzíveis, só precisaremos de máquinas para comunicar e perderemos muito da instabilidade de sentidos, da busca de compreensão, da imperfeição que nos estimula e nos reforça na nossa paciência e na nossa humanidade.

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