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ACHADOS E PERDIDOS

Lisboa, 1842. Francisco José Freire publica o livro "Reflexões sobre a Lingua Portugueza" (língua sem acento) em que lista palavras que estão desaparecendo do idioma de Camões. Passados 160 anos (errata: 170 anos! - ainda bem que sou professora de português, não de matemática), descobrimos com surpresa que muitas palavras assinaladas por Freire continuam sendo usadas. Não sei se as palavras que selecionei possuem muita difusão em Portugal, mas algumas certamente são bastante usadas no Brasil.
É interessante que o autor ao comentar as palavras indique também as fontes antigas, em que o leitor poderá encontrar tais termos e talvez ter dificuldade de entendimento. Sintetizo as observações do autor, com algum comentário curioso para o falante de hoje.

- Acatar: significava honrar com respeito. Hoje é entendido como obedecer.
- Alardo: referia-se a grupo de soldados, em sentido figurado indicava ostentação. Hoje a palavra que usamos é "alarde", e o sentido de ostentação deixou de ser um sentido figurado.
- Amamentar: era termo usado até o reinado d'El-Rei D. João II (1455-1495), na época era um termo popular. Hoje é o termo mais comum no Brasil para indicar o ato de dar o leite materno.
- Andrajo: era o termo para indicar "farrapo" por Fernão Mendes Pinto ( 1510?-1583). Hoje não é popularíssimo, mas ainda há quem use.
- Cata: significava busca. Hoje continua no mesmo campo semântico, o verbo "catar" significa buscar.
- Corrego: significava regato, riacho. Era o termo usado por João de Barros (1496-1570), considerado o primeiro historiador português. Hoje utilizamos "córrego" com o mesmo significado.
- Degrado: significava "de boa vontade". Hoje utilizamos a expressão "de bom grado", para indicar "de boa vontade". É curioso que a palavra tenha sido desmembrada, fato inusual na língua. O mais comum é que as palavras se unam em uma nova palavra composta.
- Escandir: significava medir, mas também medir versos. Hoje permanece apenas o segundo uso.
- Fadado: era sinônimo de "fatal". Hoje, quando usamos a expressão "estar fadado a" sugerimos ter um destino inexorável.
- Folia: significava "ufania". Quer dizer, indicava algo extraordinário, exuberante, digno de orgulho. Hoje a palavra "folia" indica festa, especialmente a do carnaval, que de fato é um evento extraordinário. A questão é que atualmente o termo é associado mais aos festejos do que à extraordinariedade da festa.
- Guarida: significava refúgio. Continua significando refúgio.
- Homologar: o autor comenta que era um antigo termo forense. Vê-se que o termo voltou com força ao jargão jurídico!
- Lusco: significava lua. Não pude não notar outro termo que hoje não é mais usado isoladamente: fusco, que signifcava triste. Hoje a expressão "lusco-fusco" significa "entardecer" ou "anoitecer".
- Manancial: significava fonte de água. Hoje continua tendo o mesmo significado, mas tenho a impressão que tem um uso bastante regional no Brasil.
- Passamento: significava a agonia da morte. Continua tendo o mesmo significado.
- Prol: indicava proveito. Hoje a palavra continua sendo usada na expressão "em prol", que indica "a favor".
- Pujança: o autor informa que no passado era um termo usado para indicar poder e abundância. Continua tendo o mesmo sentido hoje.
- Refestelo: indicava festa. Hoje o verbo "refestelar-se" está associado ao deleitar-se, estirar-se comodamente. Refestelo ainda existe no sentido de "festa", mas é uma forma antiga. Realmente...
- Roldão: significava confusamente, aos montes. Hoje é um termo usado especialmente na expressão "de roldão", quer dizer, de forma precipitada, tumultuada.
- Sandeu: significava mentecapto. Hoje indica alguém sem juízo, mas também tolo, estúpido.
- Trabuco: era uma máquina de guerra. Hoje é utilizado de modo figurado para indicar revólver, porque em um passado mais recente que o do autor consultado, "trabuco" também foi utilizado para indicar, por alusão a máquina de guerra, um antigo tipo de arma de fogo, o bacamarte.

É fantástico. Um autor preocupado em não perder as palavras antigas para o seu tempo. E ver que hoje elas continuam em forma, cumprindo a sua função!

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