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RISUS ABUNDAT IN ORE STULTORUM

O riso abunda na boca dos tolos. É o que ensina o dito popular. Será?
Por que será que Aristóteles preocupou-se tanto com a comédia, prometendo até um texto dedicado somente a esse assunto, apesar de ele nunca ter sido encontrado?
E Freud com o chiste? Por quê?
E Bergson, que considerava o riso a mais humana das nossas características?
E os gênios da literatura que se dedicaram ao gênero cômico?
E Fernando Pessoa que elevou todos os ridículos ao sublime?
Todos eles estariam preocupados com uma coisa boba?

O riso é sem dúvida uma reação não-verbal com alto teor comunicativo. Supera as barreiras do autocontrole, explode de modo irrefletido, emerge aos fluxos mediado pelo raciocínio. Mas tem sempre uma causa comum: uma transgressão da linguagem, proposital ou ocorrida por distração, que aciona a reação imediata.

Dou alguns exemplos:

O político que diz durante um pronunciamento: "Aqui nesta cidade fundada por Rômulo e Rêmulo"... foi uma daquelas gafes que fizeram as pessoas rir por muito tempo. Aconteceu mesmo.

O comediante que conta a melhor piada do mundo (assunto de pesquisa científica, que mostrou que a historinha que aí vai funciona em qualquer cultura):

Dois caçadores estão em um bosque, quando um deles desmaia. Ele parece não estar respirando e seus olhos estão vidrados. O outro caçador pega o telefone e liga para a emergência: “Meu amigo está morto! O que faço?”. O atendente responde: “Calma, eu te ajudo. Primeiro, temos que ter certeza de que ele está morto”. Há um silêncio, e então um tiro é ouvido. De volta ao telefone, o cara diz: “Pronto, e agora?”.

A autora do blog que numa conversa telefônica faz um verdadeiro quiproquó:
Eu - O Marco vai ao jantar?
Ela - Não sei, não tenho falado com o Marco...
Eu - Bem, o Marco costuma sumir de vez em quando...
Ela - Não, é que não falei mais com ele desde o casamento...
Eu - O Marco casou e não contou nada?
Ela - Gis, de que Marco você está falando?
Eu - Do Marco, nosso amigo...
Ela - Ah, não era do meu irmão?
(Rio com certo constrangimento por não estar falando de quem se pensava).

O riso sempre vem acompanhado de uma tomada de consciência, do sentimento de constrangimento, pudor, de uma violação que está ligada à linguagem. Liga-se a um curto-circuito no momento da relação entre os fatos, a uma associação de ideias inadequada, a um deslocamento de sentido. Revela que a língua já está arraigada.

Será por isso que as crianças levam alguns meses para começar a rir? A resposta aqui é muito genérica, porque claramente não sou especialista em pediatria ou psicologia infantil, mas a literatura afirma que os bebês tendem a chorar diante de objetos confusos, que não conseguem reconhecer, e a rir quando o objeto é reconhecível.

A risada é um termômetro da interação social e comunicativa. Devíamos ficar muito preocupados quando as pessoas ao nosso redor não riem e não nos fazem rir. E aqui vai outro mito que parece funcionar: o fato de muitas mulheres pensarem que é indispensável que o "príncipe encantado" saiba fazê-las rir. Um sentido tem.

Além disso, a risada, sendo mediada pela razão, possui também uma dimensão política. A conversa é longa, para desenvolver aqui teria que abrir um outro capítulo, mas prometo voltar a ela.

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