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O RETÓRICO, O PEDANTE E O ERUDITO NA ERA DA INFORMAÇÃO

Quem já leu vários textos aqui no blog percebeu que odeio pessoas retóricas e detesto pessoas pedantes. Volta e meia retorno ao tema, porque pedantes e retóricos, apesar dos tempos que correm, não perdem o vício e parece que não perdem a graça. É como na velha história: em terra de cego, quem tem um olho é rei. E assim, no nosso deserto cultural, que até parece fértil diante da oferta à disposição, pedantes e retóricos continuam a vender camelos, a serem os protagonistas do nosso oásis. Pena que o oásis é uma miragem.

A primeira coisa que é preciso saber é que a sociedade de informação (uma das características marcantes do nosso tempo e que alguns chamam de forma otimista como sociedade do conhecimento) é uma sociedade com um grande problema de inflação e de reiteração de informação. Temos informação demais, informação desorganizada (ou melhor, organizada pelo algoritmo de Google para o público de massa que, pasmem, é formado em grande parte por pessoas formadas e bem formadas): qualquer pesquisa na rede fornece como resultado milhões de links que se referem em primeiro lugar às respostas mais acessadas, não necessariamente às melhores. Pior: o algoritmo de Google memoriza os nossos hábitos de pesquisa e fornece sempre o mesmo tipo de resposta, de modo que muitas vezes não conseguimos ter acesso ao resultado desejado. E para completar, os resultados de Google frequentemente são resultados que fazem referência a outros resultados: ou seja, é o método do copia e cola o que impera e torna extremamente miserável essa enorme quantidade de informações que aparentemente estão à nossa disposição.

Se depois disso, você ainda está convencido de que Google é o melhor instrumento para a sua pesquisa, feche a página do blog e boa sorte!

Se, em vez, quer ver até onde vou com essa história de pedantes, retóricos e informação, aí vai a síntese, que abstraí da minha experiência. É o seguinte:

Quando entrei para a universidade, uma das primeiras coisas que chamaram a minha atenção é que alguns professores trabalhavam com textos de base (partiam da caverna - Platão, para ser clara - e chegavam ao foguete - como dizia a minha amiga Karen); outros trabalhavam com o comentário do original. Pior: trabalhavam com partes dos comentários e explicavam que os textos-fonte "ERAM MUITO DIFÍCEIS". Peço desculpas pelas maiúsculas, mas era exatamente a expressão "é muito difícil" que era utilizada para desencorajar a leitura dos autores na fonte.

Eu achava aquilo muito bizarro: se não fosse às fontes na universidade, quando iria? Então eu ia às fontes, com o apoio de alguns brilhantes professores com os quais mantenho um profundo laço de respeito e admiração até hoje. Lia tudo o que dava, tudo o que caía sob os olhos. Mas nem tudo se explica com a curiosidade de ir às fontes, mas também pelo vício da leitura.

Logo percebi que o "é muito difícil" era uma senha para aumentar o próprio prestígio intelectual. Se a fonte era muito difícil, obviamente o leitor daquelas fontes de sabedoria eram muito inteligentes. Claro que um professor que ia às fontes e depois explicava tais difíceis fontes para os alunos era uma espécie de enfermeira da cruz vermelha, a socorrer pobres alunos no campo de batalha.

Vários colegas meus também perceberam como funcionava o "é difícil". Assim, quando eram chamados para fazer uma apresentação, apressavam-se em fazer uma premissa: "gostaria de dizer que o texto que analisei é muito difícil". Uau! Então esse aluno, capaz de analisar um texto muito difícil era um aluno também muito brilhante, como o seu professor que explicava não valia a pena ler na fonte os textos muito difíceis porque era muito difícil de entender.

Vários desses colegas hoje são professores. Fico curiosa para saber se continuam dizendo que os textos são muito difíceis para seus alunos. Se reproduziram bem a lição, se interiorizaram bem a retórica da dificuldade.

Essa é a primeira categoria dos que, com a história de propagar que tudo é difícil, acabam por estimular a cultura da cópia. Quando um aluno ouve que tudo é muito difícil, não tem o menor estímulo para fazer a sua interpretação, sente-se incapaz de enfrentar os temas: melhor confiar em quem já tem uma opinião aceita e clicada por milhares de internautas. Esse também é o motivo pelo qual em geral não vejo negativamente o aluno que copia. Sabe-se lá o que ele passou antes de nos conhecermos! Mas desmascarar uma cópia deve ser muito fácil para qualquer bom professor e deve ser o ponto de partida para reconhecer que um mínimo esforço foi feito. O problema agora é livrar-se do ctrl+c, interpretar e criar, pois um dos efeitos perversos da sociedade de informação é justamente compartilhar tudo e criar pouco. A criação continua sendo um oásis para poucos, para os que foram capazes de emergir do mar de respostas do Google.

É aí que entram os pedantes. Os pedantes, ao contrário dos autênticos criativos, são uma espécie miserável de gente que vive às custas daquele conhecimento pitoresco, das palavras menos usadas, dos fatos esquecidos, com o objetivo de fingir erudição, que é conhecimento vasto e sedimentado.

Erudição é coisa rara, e necessária, em uma sociedade que oferece informação de massa, que se repete e se adapta ao nosso estilo de navegação.

Quem sabe se, nessa crise gerada pelo algoritmo de Google, a erudição voltará a ter o prestígio e o papel merecido em uma sociedade que precisa de conhecimento para melhorar e transformar o existente... Sim, acredito que voltará a ter o papel de fator seletivo, crítico, educativo. Porque uma coisa é reconhecer que há muitas respostas para as demandas do mundo, outra coisa bem diferente é definir as melhores soluções. A erudição, bem sedimentada na alma e na prática, permite dar passos seguros. E não é que não faltem passos a ser dados. Desde o iluminismo parece que estamos ali, substancialmente parados nos mesmos paradigmas fundamentais...

Sim, a Revolução Francesa, expressão concreta do pensamento iluminista, propagou, por exemplo, a convicção de que a escola precisava ser universal. Para quê? Hoje, como está estruturada, a escola serve tristemente para formar mão-de-obra, para fornecer informações necessárias para a realização de uma atividade prática. É uma escola de igualdade (pelo menos na teoria). Mas os princípios de liberdade são muito limitados pela escola que conhecemos hoje, pois não há liberdade de escolher uma educação diferente do padrão. E o princípio de fraternidade? Fraternidade é algo que parece que se deve evitar, especialmente em sociedades baseadas na competição. Está tão fora de moda que alguém irá associar somente às campanhas promovidas pela Igreja. Como se o fato de desenvolver as nossas capacidades humanas não fosse digno de uma escola que se preze, como se fosse uma pieguice religiosa. Não por acaso, a mania de ser "bonzinho" (o simulacro da fraternidade), que é uma praga entre nós, evidencia-se nas esferas menos comprometedoras da vida: no fato de dar o que sobra, de se dedicar a algo no tempo livre, de sorrir nos bons momentos.

Sei que o que está colocado aqui é bastante fragmentário e talvez merecesse vários textos para desenvolver melhor. Mas enfim, saiu assim para dar uma ideia da relação entre o retórico, o pedante e o erudito nesse período potencialmente tão rico e cotidianamente tão medíocre. Podemos, podemos muito mais. Se quisermos sair do círculo vicioso.

Comentários

  1. Muito bom! Verdade foi dita.

    E gente pedante dá uma preguiça... Parece que entende tudo de maneira "coisificada". Aquela Gente que aprende macaquear algum jargão aí e paga muito mico antes de conseguir o mínimo de aprovação...


    Lis

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  2. Obrigada, Lis
    Graças ao seu comentário reli o texto e vejo que o tempo passa e essa sensação desconfortável não passa. Escreveria de novo. Muito triste.

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  3. E pode reler, Gis.Marins, continua atual.
    Triste.

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  4. Tristíssimo. Obrigada por retornar e por comentar mais uma vez.

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