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UMA GOROROBA LINGUÍSTICA

Quem é que não tem uma gororoba inconfessável da qual não abre mão? Gororoba é uma das melhores coisas da vida, é segredo que só se compartilha com os mais íntimos ou que permanece como uma lembrança boa da infância. Por mais deliciosa que seja, a gente não serve gororoba em dia de festa e evita fazer misturas constrangedoras em situações públicas.
Com a língua não é diferente: há certas gororobas linguísticas deliciosas, mas não dá para usar o tempo todo e em qualquer lugar. Não é puxão de orelha nem moralismo, é aviso de amiga.
Quando vejo uma gororoba linguística saindo da boca na hora errada, eu sempre penso: mas uma pessoa tão bem apresentada, quem diria... foi abrir a boca para estragar tudo.

É chato falar disso, pois gororoba, como disse, é uma gostosura. Na língua, a gororoba pode ser um desabafo, um suspiro, uma gíria, um bocejo, um erro de concordância, um vício de linguagem.

No Sul do Brasil, por exemplo, é proibido fazer a concordância entre a segunda pessoa e o verbo. Quem diz "você viu" é considerado traidor, quem diz "tu viste" é pedante. Não tem jeito: a solução é a garoroba que nós adoramos - "tu viu". Agora imaginem que a nossa gororoba linguística é uma mistura de salada de batata com feijão (juro, eu já vi gente que adora misturar as duas coisas). Vocês teriam coragem de misturar salada de batata com feijão num jantar de gala? Eu não teria. Aliás, tenho muito cuidado até quando pego uma taça, para não deixar o dedo mínimo no ar, como se fosse um ponto de exclamação perdido na festa. Então, em casa, para não parecer a ovelha desgarrada, eu uso tranquilamente o "tu viu", mas no trabalho e em situações formais uso "você viu" ou "viste", de acordo com o interlocutor com o qual estou falando.

Na realidade, as gororobas não me escandalizam. Não vejo por que deveriam ser banidas da língua escrita: elas podem combinar com um bilhete ou até aparecer em uma obra literária. A gente só deve ter cuidado para não queimar o filme, ao não resistir a uma gororobazinha durante uma entrevista de emprego, por exemplo. Geralmente, nesses casos, não há outra chance...

Até aqui tudo ok? Vocês sabem como evitar a gororoba errada na hora errada?

O meu conselho é fazer como os preparativos para a festa: procurem a roupa, experimentem, amaciem o sapato para que um calo inesperado não estrague o baile, ensaiem os passos da dança. Para isso é importante o treino, a leitura e o uso na fala de um padrão como o que será utilizado na hora H. Por exemplo, as ligações feitas pelos serviços de telemarketing são ótimas oportunidades para colocar em prática a linguagem formal. Tentem rejeitar um produto do qual vocês não precisam como se estivessem apresentando uma proposta ao conselho executivo da empresa. Vai ser sempre um não, mas vai ser um tempo linguisticamente bem empregado. Pode até ser uma boa oportunidade para o prestador de serviços... Porque a linguagem usada no setor de telemarketing está cheia de vícios de linguagem. Um choque à base de caviar linguístico ficaria muito bem. Ficaria, sim.

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