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PETROLÃO E OUTROS -ÕES DEPRECIATIVOS DA LÍNGUA

Já tive oportunidade de comentar aqui no blog que o sufixo -ÃO não é utilizado apenas para descrever algo grande, mas para indicar um termo que assume, com o sufixo, um valor negativo.
Os sufixos usados para o diminutivo e para o aumentativo são peculiares. Nas gramáticas mais tradicionais, são classificados como flexões do substantivo. No entanto, há uma discussão já bastante consolidada sobre isso: muitos linguistas defendem que os diminutivos e aumentativos são exemplos de derivação, pois não são alterações obrigatórias, como no caso das flexões, que precisam obrigatoriamente ser respeitadas para que não haja erro gramatical.
Portanto, o primeiro aspecto interessante a notar é este: os sufixos usados para o diminutivo e para o aumentativo, entrando na categoria das derivações, são um fator de vitalidade para a língua. Embora sejam sufixos que não mudam, a possibilidade de serem anexados a palavras que não os empregavam tornam potencialmente infinitas as possibilidades de criação.
Indo especificamente ao aumentativo, convém lembrar que as gramáticas preveem o seu uso para conferir um sentido negativo a um termo. Basta lembrar palavras como brigão, solteirão, ricardão, etc. Observo que além do valor negativo, os vocábulos no aumentativo também costumam comportar eufemismo. É um afirmar querendo negar ou com vergonha de reconhecer. Negativos e eufêmicos, quer dizer: são termos disfêmicos!
Interessante, não? Até porque costumamos falar apenas de eufemismo, mas falamos muito menos de disfemismo. A diferença é a seguinte:
No eufemismo usamos um termo ou expressão mais suave para um termo negativo. Exemplo: "ir para o céu" em vez de "morrer".
Já no disfemismo usamos um termo mais desagradável em vez de optar por uma palavra mais neutra. Exemplo: "fazer trabalho de negro" em vez de dizer "trabalho mal-feito". O disfemismo deste exemplo não é só desagradável, mas é tipicamente racista. Portanto, nunca deve ser utilizado (e isso não tem nada a ver com a linha politicamente correta). Não há razão nem gracinha que justifique o seu uso. É preciso dizer ainda muitas  vezes isso para que as pessoas percebam que não é uma questão de suscetibilidade, mas espero que os exemplos ajudem a compreender e compartilhar isso.

E em relação ao aumentativo? Considerar os aumentativos formas de disfemismo é um risco que eu corro e assumo. Coloco-os nesta categoria porque os aumentativos são percebidos de forma negativa, não porque os termos sejam desagradáveis em si. Talvez haja professores que não concordem com isso. Disponho-me a debater o assunto, sem problemas. Não quero pontificar, nem acho que sou dona da língua. Mas considerando com carinho e pouca ortodoxia, dá para admitir a tese.

Bem, nem precisa refrescar a memória do leitor. Os disfemismos invadiram o cotidiano da nossa língua: petrolão, mensalão...

Trata-se de criatividade possível, que irrompe de modo imprevisto e indesejado. E a língua reage com a ambiguidade, entre o reconhecimento e a negação. O fenômeno é um traço cultural que a língua não esconde.

Só para deixar o quadro completo, costumo lembrar que as palavras terminadas em -ÃO fazem o plural em -ÃOS (numericamente falando é a forma mais usada), mas o mais comum - e para os aumentativos não fazemos exceção - é o plural em -ÕES. Acontece que muitas palavras que fazem plural em -ÃOS não são muito usadas no português hoje. Então, se for para arriscar, na dúvida faz-se a flexão com -ÕES, a probabilidade de erro é menor.

Abração (sem eufemismo) e até o próximo artigo.

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