Não, não! Eu não acredito em duendes!
O tema de hoje são os "gnomas", as máximas que dão à língua um sabor popular de tradição e muitas vezes sabem traduzir com fórmulas simples conceitos que exigem da ciência rigor e método nem sempre acessíveis em círculos amplos.
Mas há também um subtema: a raiz "gno", que possui uma história muito interessante.
Tudo começou com alguns comentários que fiz sobre o fato de que nem tudo que parece óbvio é realmente consensual. Como eu convivo cotidianamente com pessoas de diferentes culturas (e costumes), adequar o registro linguístico ao interlocutor é um cuidado constante que procuro ter. Então uma amiga recordou o ditado: em Roma como os romanos... A lembrança caiu como uma luva, não só porque moro em Roma, mas porque "Roma" é qualquer cultura diferente da minha e porque traduzir implica não apenas transpor de uma língua para outra, mas tornar inteligível e, quando possível, familiar para o interlocutor o conceito no seu contexto.
Eu costumo dar um exemplo prático: quando em português dizemos "haja paciência", geralmente estamos fazendo o prelúdio de um bate-boca; quando uma pessoa italiana me diz "senhora, tenha paciência" ela não está exortando para que eu tenha um comportamento resignado como o nosso "paciência, fazer o quê?", (geralmente) também não está fazendo uma ironiazinha do tipo "faça-me o favor". Ela está informando que será preciso esperar: é como o nosso "só um pouquinho, está bem?"
E os gnomas com isso?
Bem, no exemplo do ditado "em Roma como os romanos", o gnoma sugere que é importante ter resiliência nas relações interpessoais. Resiliência: buscamos um termo científico, utilizado de modo metafórico, para usá-lo no lugar de expressões já consagradas no idioma, como o exemplo anterior ou ainda a máxima "em rio que tem piranha jacaré nada de costas".
Ótimo, não é? Ótimo, sim, desde que saibamos que ambas as opções têm seu lugar na língua, ambas são válidas e úteis. Se o interlocutor não entender o que é "resiliência" porque não tem familiaridade com a linguagem científica, podemos recorrer aos romanos ou ao jacaré. É uma questão de oportunidade e de objetivo. Porque o objetivo pode ser aquele de deixar o interlocutor sem entender... É chato, mas acontece mais frequentemente do que se imagina.
Esta é a primeira parte da história. A segunda vem agora, poderia receber o subtítulo:
Em primeiro lugar a distinção entre "gnoma" e "gnomo": "gnomo" provavelmente vem de uma alteração do termo latino "genoma", cuja raiz é "gen", indicando ser, criatura gerada. Mas pode ser que tenha parentesco com "gnoma", que está relacionado a "conhecimento", portanto indica um ser com conhecimento especial.
"Gnoma" e "conhecimento": fica mais fácil perceber a relação de "gnoma" com "conhecimento" se lembramos outras palavras da mesma família.
Cognição - conhecimento ou aquisição do conhecimento
Ignorância - (in)gnorância, ou seja, falta de conhecimento
Incógnita - o desconhecido que buscamos determinar matematicamente
Cognome - apelido, o nome pelo qual uma pessoa é reconhecida
Diagnótico - conhecimento feito por meio de descrição
Digno - merecedor, reconhecido
Gnose - o conhecimento do divino, por ser um tipo de conhecimento absoluto
Ignóbil - não reconhecível, desprezível... e daí descobrimos que "nobreza" é um estado "superior" reconhecido
Observação: não fiz uma descrição fiel ao dicionário, mas dei uma definição dos termos de modo a evidenciar a presença constante da raiz "gno" ligada à ideia de conhecimento.
Basta pensar no parentesco das palavras acima para constatar que se trata de uma verdadeira constelação de palavras.
Por hoje é tudo, pessoal!
Obrigada às amigas que estimularam a minha curiosidade: Ana e Eloína.
O tema de hoje são os "gnomas", as máximas que dão à língua um sabor popular de tradição e muitas vezes sabem traduzir com fórmulas simples conceitos que exigem da ciência rigor e método nem sempre acessíveis em círculos amplos.
Mas há também um subtema: a raiz "gno", que possui uma história muito interessante.
Tudo começou com alguns comentários que fiz sobre o fato de que nem tudo que parece óbvio é realmente consensual. Como eu convivo cotidianamente com pessoas de diferentes culturas (e costumes), adequar o registro linguístico ao interlocutor é um cuidado constante que procuro ter. Então uma amiga recordou o ditado: em Roma como os romanos... A lembrança caiu como uma luva, não só porque moro em Roma, mas porque "Roma" é qualquer cultura diferente da minha e porque traduzir implica não apenas transpor de uma língua para outra, mas tornar inteligível e, quando possível, familiar para o interlocutor o conceito no seu contexto.
Eu costumo dar um exemplo prático: quando em português dizemos "haja paciência", geralmente estamos fazendo o prelúdio de um bate-boca; quando uma pessoa italiana me diz "senhora, tenha paciência" ela não está exortando para que eu tenha um comportamento resignado como o nosso "paciência, fazer o quê?", (geralmente) também não está fazendo uma ironiazinha do tipo "faça-me o favor". Ela está informando que será preciso esperar: é como o nosso "só um pouquinho, está bem?"
E os gnomas com isso?
Bem, no exemplo do ditado "em Roma como os romanos", o gnoma sugere que é importante ter resiliência nas relações interpessoais. Resiliência: buscamos um termo científico, utilizado de modo metafórico, para usá-lo no lugar de expressões já consagradas no idioma, como o exemplo anterior ou ainda a máxima "em rio que tem piranha jacaré nada de costas".
Ótimo, não é? Ótimo, sim, desde que saibamos que ambas as opções têm seu lugar na língua, ambas são válidas e úteis. Se o interlocutor não entender o que é "resiliência" porque não tem familiaridade com a linguagem científica, podemos recorrer aos romanos ou ao jacaré. É uma questão de oportunidade e de objetivo. Porque o objetivo pode ser aquele de deixar o interlocutor sem entender... É chato, mas acontece mais frequentemente do que se imagina.
Esta é a primeira parte da história. A segunda vem agora, poderia receber o subtítulo:
As incríveis aventuras da raiz "gno".
Em primeiro lugar a distinção entre "gnoma" e "gnomo": "gnomo" provavelmente vem de uma alteração do termo latino "genoma", cuja raiz é "gen", indicando ser, criatura gerada. Mas pode ser que tenha parentesco com "gnoma", que está relacionado a "conhecimento", portanto indica um ser com conhecimento especial.
"Gnoma" e "conhecimento": fica mais fácil perceber a relação de "gnoma" com "conhecimento" se lembramos outras palavras da mesma família.
Cognição - conhecimento ou aquisição do conhecimento
Ignorância - (in)gnorância, ou seja, falta de conhecimento
Incógnita - o desconhecido que buscamos determinar matematicamente
Cognome - apelido, o nome pelo qual uma pessoa é reconhecida
Diagnótico - conhecimento feito por meio de descrição
Digno - merecedor, reconhecido
Gnose - o conhecimento do divino, por ser um tipo de conhecimento absoluto
Ignóbil - não reconhecível, desprezível... e daí descobrimos que "nobreza" é um estado "superior" reconhecido
Observação: não fiz uma descrição fiel ao dicionário, mas dei uma definição dos termos de modo a evidenciar a presença constante da raiz "gno" ligada à ideia de conhecimento.
Basta pensar no parentesco das palavras acima para constatar que se trata de uma verdadeira constelação de palavras.
Por hoje é tudo, pessoal!
Obrigada às amigas que estimularam a minha curiosidade: Ana e Eloína.
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