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BOAS-VINDAS AOS INTRUSOS DA LÍNGUA

Hoje me caíram sob os olhos dois textos opostos que levavam à mesma questão: a presença de muitos vocábulos estrangeiros no uso da língua portuguesa (do Brasil). Um dos textos, de Clair Castilhos (https://claircastilhos.wordpress.com/2013/06/09/outlet-in-terra-brasilis/) fala dos abusos de termos estrangeiros. Os exemplos são bem interessantes e dão uma ideia do panorama. O outro, publicado pela revista Língua Portuguesa (http://revistalingua.uol.com.br/textos/blog-abizzocchi/palavras-estrangeiras-inventadas-em-portugues-290378-1.asp), fala de palavras estrangeiras inventadas em português. O perigo dos estrangeirismos é sempre latejante, mas o mal não é tão grande quanto parece e, principalmente, não é algo tão ideológico como denunciam alguns políticos que pretendem controlar a evolução da língua por meio de decretos.
Pelo contrário: a contaminação da língua por vocábulos estrangeiros é um desafio, que coloca à prova a força da língua (a sua hegemonia em relação às outras línguas às quais os falantes são expostos), e que geralmente revitaliza a língua predominante (nesse caso, o português). Para perder o medo de que as contaminações ameacem a língua, é preciso ter em mente que a língua não é um objeto cristalizado, mas é um instrumento vivo, flexível, adaptável às necessidades dos falantes para exprimir tudo o que acontece. É por isso que a língua, para permanecer viva, precisa evoluir com o mundo e com os falantes. Se não é capaz de absorver novidades (vindas muitas vezes de outras línguas, porque as inovações provêm de outras regiões do planeta), a língua não é contaminada. E morre.
O português, apesar do temor de excesso de contaminação, está longe de entrar em estado crítico. É muito simples perceber por que isso acontece: porque ainda falamos muito pouco línguas estrangeiras, porque absorvemos as novidades vindas de outros contextos culturais e tecnológicos adaptando foneticamente os termos estrangeiros (mesmo sem entender o que estamos dizendo), porque não abdicamos do português como meio de comunicação - o máximo que fazemos é introduzir uma palavra aqui, outra lá, no meio do discurso, sem criar um verdadeiro pídgin, sem criar uma língua de transição e sem falar realmente em uma língua estrangeira.
O perigo, para mim, não está na contaminação da língua. Essa é filha dos tempos, filha de uma globalização, de um novo humanismo como o que os portugueses viveram durante a conquista ultramarina e que nos presenteou com palavras estrangeiras como "cetim" (que vem do nome do porto chinês onde se embarcavam as desejadas sedas que fizeram a fama do Oriente), ou "leque" (das ilhas Liu Kiu), ou "chá" (que é uma transliteração do termo em língua chinesa), e por aí vai... Se a contaminação com o Oriente deixou algo no português moderno, podemos dizer que esse vestígio é uma riqueza. O mesmo poderia dizer dos termos trazidos para o Brasil pelos escravos africanos e pelos imigrantes do final do século XIX: a nossa culinária tem fricassê, estrogonofe, cuscuz e lasanha graças a eles e ninguém grita escândalo ou invoca anátema por tais barbarismos! E assim no futuro teremos os termos de origem inglesa que tanto incomodam os ouvidos nacionalistas e pouco confiantes na vitalidade da língua e na capacidade dos falantes. Na pior das hipóteses, a exposição a termos estrangeiros irá acostumar os nossos ouvidos a outros padrões fonéticos. Vistos pelo lado positivo, os estrangeirismos poderiam ser um ótimo aliado para professores de línguas.
O problema é outro. O problema é que não produzimos tecnologias e não criamos novos padrões culturais e sociais capazes de influenciar outras línguas. Inventamos o samba, a bossa nova, temos o guaraná, os "veados" e poucos outros termos que, para o bem ou para o mal, exercem influência e são absorvidos por outras línguas. Quando nossos os fatos e as nossas inovações chegarem, a língua estará pronta para dar os nomes-aos-bois. O português está muito vivo. Então, mãos à obra e fé na língua.

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