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A CRISE, OS VÂNDALOS, OS REVOLTOSOS, OS REBELDES E OS ARRUACEIROS

Quem sou eu para explicar o que está acontecendo no Brasil? Explicação é o que não falta nessa hora de crise. Há explicações sociológicas, explicações políticas, explicações psicológicas, explicações antropológicas. Li muitas interpretações do fato. Na maior parte dos casos, trata-se de um esforço honesto para informar; às vezes são testemunhos que não podem prescindir da visão de mundo do autor, às vezes são relatos ideológicos, às vezes são desabafos que distraem o leitor e mobilizam as paixões, gerando sintonia, repúdio e catarse.
Quem sou eu para explicar o que está acontecendo no Brasil? Eu sou uma simples professora de línguas, eu só posso aconselhar: se tiverem olhos para ler, leiam bem. Se tiverem ouvidos para ouvir, escutem bem. É a hora do discernimento, da capacidade de identificar os diferentes discursos, as distintas ideias que estão sendo lançadas. E nessa matéria os professores de língua devem dizer algo. Devem aproveitar a oportunidade única que este momento histórico está oferecendo para treinar as nossas habilidades analíticas, as nossas capacidades de síntese e de interpretação. Os discursos estão na rua e a possibilidade de aprender na prática está ao alcance de qualquer um.
Tivesse eu uma turminha de estudantes enfezados, começaria por um estribilho que embalou a minha adolescência: "não vai dar, assim não vai dar, como é que eu vou crescer sem ter com quem me rebelar?". Os versinhos se popularizaram por meio de um grupo pop, o Ultraje a Rigor, numa época de passagem, em que a ditadura agonizava e nada de novo parecia haver no horizonte. Mas o tempo passou e os jovens se rebelaram. Veio o movimento dos "caras pintadas" que, independentemente da leitura política que se possa dar, serviu de qualquer modo para dar sentido à insatisfação da juventude. Foi o batismo de uma geração que parecia destinada a não ter nada do que reclamar.
É preciso reclamar, as crises são necessárias. "Crise" vem do grego e significa escolha, decisão. Também é a fase decisiva de uma doença. Viver sem crise não dá! Porque nascemos livres e a grande liberdade não é ter tudo à disposição, mas é a possibilidade de escolher, com os ganhos e as perdas que uma escolha necessariamente comporta.
E rebelar? Rebelar entra no português por meio do espanhol que por sua vez afunda suas raízes no latim. Rebelar-se vem de "bellum", guerra. E a guerra, a gente sabe, começa quando a diplomacia fracassa. É também uma falência do respeito pela liberdade, é a escolha imposta. Na guerra não há crise, na guerra há violação. É a ruptura mais dramática, mais catártica, mais indesejada para quem acredita no valor positivo da crise e na responsabilidade que a liberdade comporta.
Revoltar-se? Também é uma palavrinha interessante para os nossos tempos. Significa "virar", virar o jogo, tomar uma direção contrária.
Pensando bem, rebeldes e revoltosos não são índios da mesma tribo...
E os vândalos, palavra abusada nesses tempos de protesto? Bem, os vândalos eram um povo bárbaro, quer dizer, estrangeiro no sentido pejorativo do termo (porque "bárbaro" em grego significa "gago" e era, portanto, um modo figurado para indicar quem não falava grego, quer dizer, os estrangeiros). Os vândalos eram bárbaros para os latinos. Vindos do norte da Europa, chegaram ao sul dispostos a conquistar o território. Aos poucos, os estrangeiros, ou bárbaros, passaram a ser designados vândalos toda vez que eram violentos como o povo vândalo. A história das línguas mostra que adoramos utilizar as palavras de modo figurado e pejorativo...
Temos vândalos nos protestos? Na minha opinião, não. Temos rebeldes no mau sentido da palavra. E, felizmente, temos revoltosos no bom sentido da palavra. Deixemos a palavra "vândalo" em paz.
E os arruaceiros? Bem, esse para mim é o termo que generaliza o que está acontecendo pelas ruas. O termo arruaceiro tem um valor evidentemente negativo (também pelo fato de ser composto pelo sufixo -eiro. Em relação a isso, leiam os textos que já publiquei aqui no blog sobre os sufixos). Mas arruaceiro poderia ter um valor sociológico e antropológico diferente do valor que a língua lhe dá. Penso em Roberto Da Matta e nas suas reflexões sobre "a rua", sobre todos os aspectos culturais relacionados à rua. Penso nas relações sociais, penso no que há de positivo no carnaval, por exemplo. Penso em valores arraigados na cultura brasileira.
É um momento de crise. Bem-vinda, crise! É um momento excelente para pensar nos nossos valores, é um momento ótimo para fazer escolhas, é o momento de dialogar. É um momento excepcional  para criar um novo pacto para a nossa sociedade.
Espero que tudo o que tem acontecido deixe na balança um saldo positivo. Espero que a política saiba acolher de fato, e não só em retórica, as reclamações, e saiba dar respostas e soluções. Para mim, esse é o único caminho para salvar os valores da nossa jovem democracia.

Comentários

  1. Acabei de atualizar este artigo, pois foi publicado inicialmente com alguns erros. Peço desculpas pelo problema técnico.

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  2. Mário Sérgio Baggio23 de junho de 2013 às 15:17

    Gislaine, absolutamente brilhante esse seu artigo. Publique-o no Linkedin, no Nossa Língua. Abraço. Mário Sérgio Baggio

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  3. Parabéns, Gislaine! Excelente artículo.

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