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HORKHEIMER, MEU PAI E A ETIMOLOGIA

Meu pai não era um homem culto, era um homem sábio. "Culto", palavra frequentemente ligada à cultura, também tem a ver com culto, com rito, com adoração de divindades. Às vezes tenho a impressão de que usamos com muita rapidez as palavras culto, erudito, sábio, como se fossem a mesma coisa. Não é bem assim, para ser minuciosa. E ser minuciosa é um dos meus piores defeitos.
Por que meu pai era sábio? Em primeiro lugar porque era humano. Nós somos "homo sapiens". Quer dizer, era sábio, mas não era infalível. De fato, não era divino, nem tinha a pretensão de comparar-se a.
Em sua sabedoria de homem simples e inculto, meu pai me deu as bases para enfrentar outras filosofias. Fez o seu papel de pai, com a generosidade de que dispunha e talvez se esforçando para ir além de seus limites. Quando pedia um balanço do dia e perguntava as motivações para uma ou outra atitude minha, o que me deixava mais nervosa era a sua contra-argumentação: "isso explica, mas não justifica". Lembro vagamente as suas tentativas de explicar a diferença entre "explicar" e "justificar". A minha imaturidade intelectual atraía os meus pensamentos para outros interesses semânticos quando a discussão tornava-se complicada demais para os meus neurônios pueris. Mas aquela frase tantas vezes martelada, exigindo a minha atenção, pedindo rigor, convidando-me a aplicar-me mais, foi uma grande lição e sinto-me muito grata por isso.
Com a universidade, conheci Horkheimer e a "razão instrumental", quer dizer, uma razão auto-referencial que se afasta (hoje provavelmente ainda mais do que nos tempos da reconstrução que Horkheimer pôde testemunhar) de sua função de acesso ao conhecimento para tornar-se um vetor de dominação. Com Horkheimer entendi a diferença profunda entre "explicar" e "justificar", na qual meu pai tanto insistia.
Não posso ser tão simplória a ponto de dizer que meu pai tinha entendido tudo e que eu não teria precisado de Horkheimer na minha formação. Seria como admitir outro velho mito de que o acesso à sabedoria é obra da sorte, é algo divino. Isso não seria honesto com Horkheimer e seria muito desrespeitoso para com a sabedoria concreta, fundada na sua realidade, que meu pai professava. Ou seja, um e outro tiveram um papel relevante no seu contexto.
Meu pai instigou e a universidade deu a oportunidade certa para encontrar a resposta. Uma resposta "crítica" para permenecer no arsenal terminológico do filósofo.
O tecnicismo exacerbado dos últimos tempos tem trazido à minha lembrança a frase: "isso explica, mas não justifica". Hoje como nunca na minha experiência pessoal encontro pessoas capazes e preparadas dispostas a explicar o inexplicável: explicar significa, usando palavras pobres, "desdobrar", tirar as dobras para fora (plica é uma prega, uma dobradura). Se pensamos que "desdobrar" pode significar encontrar um jeitinho para explicar algo que não é muito claro, a explicação se explica por si.
Hoje como nunca a palavra "justificar" está sendo colocada no banco de reserva. "Justificar" significa "tornar justo"; e tornar "justo" está longe de ser tornar "legal". Podemos explicar algo legal, do ponto de vista jurídico, mas nem sempre as leis são justas...
Ah, agora sim, tudo esclarecido.
Mas eu me pergunto: nesse mundo de explicações inexplicáveis, em que as pessoas às vezes até se desculpam dizendo "não é que eu queira justificar, mas...", o que se pode esperar? Resignação? Desencadear-se de violência? Depressão? Ingênua esperança? Ou a estratégia do avestruz que não quer ver as ruínas a um metro do seu cercado?
Lamento que essas não sejam as melhores palavras para o início de um novo ano, mas são palavras com substância, e a sua substância nos atropela se não pensamos no que escutamos e no que falamos voluntariamente ou mesmo por superficialidade.

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