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POLITICAMENTE CORRETO - ENTRE A IGNORÂNCIA E A DISCRIMINAÇÃO

Politicamente incorreto? Depende da situação.
Esta reflexão nasce da leitura de um artigo publicado em um jornal italiano esta manhã. Fiquei indignada com o uso da palavra "suk" (referência a "suq", mercado em árabe e, aliás, raiz da nossa palavra "açougue" ou "casa de carnes"). No texto, a jornalista referia-se a "Suk Termini" para descrever o estado de degradação da região próxima à estação central de Roma. Um fato imperdoável, que alimenta a discriminação em relação à cultura árabe e que certamente não precisa da mãozinha de uma jornalista para acentuar-se em tempos de xenofobia.
Perdoaria, se se tratasse de ignorância. Mas jornalistas não podem escorregar no a-b-c da etiqueta da língua.
A questão é delicada e no Brasil tem ocorrido um verdadeiro patrulhamento em relação a isso. Jornais, livros, a escola, os movimentos sociais e até o governo promovem a discussão dos termos que devem ser evitados para que ninguém se sinta ofendido ou discriminado. O cuidado é tanto que, claro, já gerou piada.
A pergunta que lanço é esta: dá para banir de uma língua termos politicamente incorretos?
Não dá, pessoal.
O que dá para fazer, e o que devemos fazer, é usar a palavra certa na hora certa.
As palavras politicamente incorretas são de certo modo o registro de um momento histórico da língua. A história da língua ajuda muito a superar as verdadeiras discriminações presentes em nossa vida e das quais às vezes não temos consciência por ignorância (a ignorância é uma condição da qual podemos sair, não é uma justificativa para deixar as coisas eternamente como estão).
As palavras politicamente incorretas tornam-se "incorretas" pela consciência  que tomamos do que elas realmente dizem em relação a um determinado momento histórico e social . Reconhecer uma palavra incorreta é uma lição de história, é uma superação que precisa ser trabalhada, compreendida, não apenas policiada.

Palavras politicamente incorretas podem ter lugar se estiverem fora do contexto "político". Podem caber no discurso familiar, coloquial ou estético sem ofender ninguém. O importante é que os interlocutores compartilhem o código. Seria absurdo, por exemplo, que um escritor se sentisse intimidado por usar certa terminologia se está descrevendo um conflito social. Como não utilizar a palavra "nego" como palavrão se quiser descrever justamente o conflito étnico?

Resumindo: é uma questão de registro linguístico. Não posso admitir termos politicamente incorretos em discursos públicos, feitos por profissionais da área. Mas preciso compreender a ignorância em relação à história da língua que se evidencia em muitos falantes. Com o tempo vamos aprender a ter mais consciência do que falamos.

P.S. Por uma questão afetiva acho difícil que algum dia eu vá dizer, para ser politicamente correta, que meu pai era afro-descendente. Meu pai era negro. Olho as fotos, lembro aquela pele escura e para mim a palavra "negro" soa como a consciência da própria cor, sem algum eufemismo. Assim como minha mãe alvíssima era carinhosamente chamada de "nega", porque em família a cor negra não tinha nenhum valor pejorativo.

Comentários

  1. Disse tudo Gisa. Muito bom! Nao há como um jornalista deixar de ter responsabilidade neste tipo de incitação.

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  2. Como diz Alberto Caeiro: a única inocência é não pensar.

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