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NOMES - TEORIA E PRÁTICA

Muita gente já se fez esta pergunta sobre a língua: uso porque sei ou sei porque uso? Porém, existe um outro montão de gente que nem sonha em levantar essa questão. Nada há de mais ilusório do que colocar o problema na gaveta e deixar o barco correr.
Há muita gente que usa a língua sem ter consciência, sem saber profundamente o que está usando. Acomoda-se ao seu próprio repertório, encontra frequentemente dificuldade diante de um falante que utiliza uma linguagem diferente da sua e acha que estudar a língua é aprender regras para alcançar um bom resultado escolar.
Por outro lado, há quem pense que não poderá usar a língua enquanto não souber as suas regras. Passa anos estudando a gramática e tem pouco sucesso no uso prático. É um fato comum entre falantes estrangeiros.
Vou comentar um exemplo prático, que pode servir para ambos os casos. Refere-se ao uso dos substantivos.
O que aprendemos na escola? Que os substantivos são divididos em próprios ou comuns, concretos ou abstratos. O professor também explica a flexão de gênero e de número e, após conhecer esses elementos, o falante nativo vai se sentir seguro para fazer a prova e o falante estrangeiro vai ter uma fórmula para "traduzir" o seu pensamento na língua estrangeira.
Na realidade, todos os falantes deveriam aprender também a usar os substantivos (felizmente em muitas escolas os alunos vão além da morfologia, chegando à pragmática). Usar não somente de forma intuitiva ou ancorada em normas gramaticais, mas de modo eficiente, de acordo com o contexto.
Quando, por exemplo, devemos usar o nosso nome e sobrenome em português?
É uma característica nossa, por exemplo, a organização de listas escolares ou de concursos por ordem alfabética, a partir do nome. Então encontraremos todas as "Ana" no início, as "Maria" no meio, as "Valéria" no fim do elenco. O mesmo não ocorre em lista telefônica, em que a ordem alfabética é dada pelo último sobrenome (que é o mais importante em português).
E quando somos apresentados a alguém? Em situações formais apresentamos a pessoa menos conhecida à pessoa mais importante (e provavelmente mais conhecida publicamente). Geralmente, nesses casos, apresentamos utilizando nome e sobrenome, ou o nome e a referência (Ex.: Esta é a Gislaine, a nossa nova professora). Se nós mesmos nos apresentamos em um local, é útil utilizar nome e sobrenome. (Ex.: Meu nome é Gislaine Marins, tenho uma hora marcada com o médico).
Até aqui é fácil, vale o bom senso.
Quando somos apresentados em um ambiente informal, em que todos pertencem ao mesmo círculo social, é desnecessário utilizar o sobrenome. Uma colega me contou um fato muito engraçado sobre isso: em uma roda de jovens de boa família, boa condição social, estava uma pessoa que a maioria não conhecia. Então perguntaram o seu nome e ele disse tudo: o nome e os vários sobrenomes que possuía (geralmente uma grande quantidade de sobrenomes indica uma posição social importante no Brasil). Quando terminou de dizer o nome completo devolveu a pergunta ao seu interlocutor: "E o seu nome, qual é?" O outro deu uma resposta cortante e divertida, que colocava em evidência quanto era inapropriado e ridículo naquele contexto elencar toda a genealogia contida no nome: "O meu é Bond, James Bond".
O nome e o sobrenome também são utilizados para exercer poder. Há uma frase feita no Brasil que diz: "Você sabe com quem está falando?" Muitos afirmam que ela abre portas de festas, recepções e outras solenidades, porque intimida os porteiros de plantão. Mas há muitas formas para exercer o poder sem recorrer a frases explícitas. Tem o exemplo da minha amiga, cuja colega namorava um famoso locutor de rádio. Um dia o rapaz bateu à porta, bem cedo, procurando a namorada. Minha amiga, chateada por ter sido acordada, atendeu à porta, disse que não sabia onde estava a colega e fechou novamente a porta. O orgulho do rapaz foi ferido: ele bateu novemente à porta e perguntou: "Você sabe quem eu sou? Eu sou o Antônio Lopes" (o nome aqui é fictício). A minha amiga desconhecia completamente o "famoso" locutor e respondeu: "Simone Pereira, muito prazer", e fechou a porta. Moral: cuidado com quem você tenta exercer o seu poder, você pode dar com a cara na porta e sair com o orgulho ainda mais ferido.
Como são chamados os professores, os chefes, os superiores? Pelo nome. Ex.: "Eu estudo com a professora Gislaine". O fato de você utilizar somente o nome nem sempre é sinal de desrespeito, assim como usar o sobrenome não garante respeitabilidade.
No próximo capítulo: os apelidos...

Comentários

  1. Fantástico! Adorei! Lembrei-me do episódio que você contou da sua amiga que namorava o famoso locutor...Estou vendo que no Brasil tudo é igualzinho......" Lei non sa chi sono io" é a frase mais abusada entre os grã-finos...que carregam cérebros menores do que uma avelã...

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