Pular para o conteúdo principal

O CATIVAR AMOROSO DA MESTRA

Dizer que Maria Luiza Ritzel Remédios foi uma das mais importantes professoras de literatura portuguesa, de narratologia e de outras áreas dos estudos literários no Rio Grande do Sul é dizer somente parte da verdade. Maria Luiza sabia educar a sensibilidade literária, integrava a sua própria sensibilidade na sua atuação profissional e não temia que a sua proximidade para com os alunos fosse mal interpretada por quem associa competência a uma capacidade de distanciamento e de isolamento em um patamar inatingível aos principiantes.
Conheci Maria Luiza por teimosia. Adorava a língua portuguesa e em meus primeiros voos como estudante de Letras dedicara-me aos verbos. Mas quando tive a oportunidade de concorrer a uma bolsa para estudar a língua, recusei com sinceridade: sim, adorava a língua, mas estudava Letras para entender a literatura. Insisti até conseguir entrar no curso de Pós-graduação em Letras da PUCRS, em Teoria da Literatura, naturalmente.
Como um Caetano deslumbrado diante da Pauliceia, "eu nada entendia". Quer dizer, ainda não entendia a intimidade das palavras, como elas se comportam dentro das folhas fechadas de um livro. Tinha a técnica, tinha as teorias, tinha a crítica. A maturidade é outra coisa. Aprendi tantas coisas ali... e conheci a Maria Luiza. Ela era um misto de exigência e incentivo: a sua era uma corte de cativos enlaçados por suas ideias e por sua amorosidade incontível.
Estudar literatura com Maria Luiza era uma experiência de educação dos sentidos. Se os olhos brilhavam quando comentava um texto ou a voz tremia quando fazia um discurso, isso não era, como para nós estudantes, um sinal de descontrole das emoções ou de insegurança. Maria Luiza deixava-se emocionar pela literatura e suas palestras sabiam devolver, por meio da crítica, o valor fundamental da emoção na relação livro-leitor. Com ela aprendi que uma das missões do professor de literatura é extrair a emoção que um texto provoca, transmiti-la, lapidar a emoção bruta que há em cada um de nós por meio da educação da sensibilidade artística. É claro que a competência é um pré-requisito para ser um bom professor. Mas para ser um grande professor de literatura é preciso superar o medo das emoções - o nosso Bojador -, abrir-se aos perigos dos quais a teoria não pode nos proteger e ser honesto em relação ao que sabe e ao que sente. Maria Luiza Ritzel Remédios soube fazer tudo isso e certamente mais, porque um grande mestre sempre deixa lições por serem descobertas.

* Reproduzo aqui o texto publicado originalmente no jornal Zero Hora. Publico aqui para cristalizar no tempo a lembrança que ela nos deixa. http://wp.clicrbs.com.br/doleitor/2012/05/21/artigo-o-cativar-amoroso-da-mestra/?topo=13%2C1%2C1%2C%2C%2C13

Comentários

Postagens mais populares

LÁ VAI BARÃO!

E SE A MBOITATÁ FOSSE UMA METÁFORA ATUAL?

TROCADILHOS NA PONTA DA LÍNGUA