Pular para o conteúdo principal

ANTÍDOTO PARA O ÓCIO

Temporada de férias, temporada de caça pirata ao leitor, que com distração entrega-se ao ócio como se fosse dever colocar o cérebro na reserva. É o pudor das férias, a vergonha de seguir o ritmo habitual da vida, como se fosse um vício trabalhar. Talvez seja, porque já me sinto em crise de abstinência.
De todo modo, as férias têm as suas vantagens: permitem retomar velhos hábitos, como ler jornal impresso, sem se render ao primeiro parágrafo da notícia. Na correria cotidiana é raro ir além da síntese e os bons redatores sabem disso. Por essa razão colocam todos os elementos fundamentais referentes ao fato no parágrafo de abertura do artigo. São os conhecidos QUEM, COMO, O QUE, ONDE, QUANDO, POR QUE.
A boa surpresa é que o tempo livre também dá oportunidades únicas aos redatores excelentes, que capturam o leitor em via de extinção, atraindo-o na selva de informação com as melhores iscas. Os textos mais apetitosos para leitores que querem cair na rede contêm dados e conceitos claros, encadeamento de ideias e uso de truques típicos da narrativa literária como o uso de flashback, estratégias de identificação com o leitor, técnicas de descrição do tempo e do espaço, entre outros recursos que fazem o leitor entrar na notícia como se entrasse em um livro. Isso não tem nada a ver com a espetacularização dos dramas e das tragédias humanas, como faz muito jornalismo ruim, mas tem algo do “pathos”, aquele elemento comovente, catártico, que envolve o leitor e o faz sentir-se parte da realidade descrita. É jornalismo que mobiliza o sentimento e sobretudo a razão.
Tudo rosas e aplausos? Nem tanto. Se carregar nas cores, esse bom jornalismo corre o risco de transformar a notícia em crônica (e vá alguém se arriscar a definir essas fronteiras imprecisas!). A arte do bom jornalismo é permanecer fiel à sua função jornalística: talvez essa seja a sua difícil arte.
Está aí: no ócio das férias descobre-se de repente que não se pode não pensar e que a magia do texto aflora com força própria regastando leitores distraídos (ou não).

Comentários

Postagens mais populares

LÁ VAI BARÃO!

E SE A MBOITATÁ FOSSE UMA METÁFORA ATUAL?

HABEMUS MINISTRUM