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NOMENCLATURA, CULTURA

Semanas atrás reclamei dos veganos na minha coluna no Correio Riograndense: percebo que a minha antipatia não se relaciona apenas à atitude, mas também à nomenclatura.
Vivemos imersos em uma cultura com seus nomes e respectivas definições. Exemplo: hambúrguer, termo que indica um bolinho prensado de carne, inventado em Hamburgo, que lhe emprestou o radical para a formação do nome. Não dá para separar hambúrguer do nome da cidade e do seu ingrediente principal: hambúrguer vegano é uma contradição.
Entendo que para os veganos é difícil afastar-se da cultura na qual estão mergulhados. Mas proponho uma comparação, para fazer uma provocação:  se os comunistas substituíssem o nome do seu sistema por uma expressão mais digerível dentro do sistema capitalista, será que haveria o mesmo impacto, causaria a mesma apaixonada oposição?  Se Marx tivesse definido o comunismo como "capitalismo do bem" ou como "capitalismo sem classes", estaria fazendo uma boa definição? Faço mais uma pergunta provocatória: os capitalistas conseguiriam marcar tão bem a própria diferenciação, se o comunismo fosse definido como um capitalismo alternativo?
Para o bem ou para o mal, a diferença marca uma condição única: hambúrguer vegano continua soando nos meus ouvidos como um hambúrguer enganação, incomparável com o original.
A terminologia vegana paga o preço de ser usada em um contexto carnívoro hegemônico e, ao mesmo tempo, de valer-se dos termos dessa cultura para abrir uma brecha e criar um espaço específico. Não sei se é a melhor estratégia. Poderiam criar termos totalmente novos, criar um "comunismo" gastronômico que não tivesse nenhuma associação e contaminação linguística com a cultura carnívora que rodeia o veganismo. Como ocorre com a cozinha japonesa: ninguém sonha em chamar tofu de queijo de soja, embora o princípio de preparação seja o de fazer uma espécie de coalho com o soro da soja. A cozinha japonesa possui nomes estranhíssimos para o padrão ocidental e mesmo assim funciona, é um sucesso.
Valer-se ou não de uma terminologia existente é uma escolha, que comporta consequências diferentes. Escolher é poder. Se eu fosse vegana não daria todo esse espaço à linguagem carnívora na minha cozinha, também para não cair em tentação.
Mas escolher também é poder quando o objetivo é enganar. É o que acontece com uma série de produtos vendidos com o claro interesse de iludir o consumidor. É o caso do fermentado alcoólico de milho, que alguns produtores chamam de cerveja. Cerveja é feita com malte, lúpulo e cevada. O resto é outra coisa, mas não é cerveja. É o caso da salsicha. A salsicha é feita com miúdos do porco que é melhor não saber quais são, mas certamente não é feita com carne de frango e de peru.
Para mudar essa situação de engano e autoengano precisaríamos levar mais a sério a cultura e a nossa consciência sobre o uso da língua. Precisaríamos falar sabendo o que estamos dizendo. Se tivéssemos esta base, o passo seguinte seria simples: estabelecer uma norma clara para definir fermentados, embutidos e comidas não carnívoras, dando os nomes certos aos bois (ou aos vegetais).
Uma linguagem clara, com termos unívocos, limitam a possibilidade de confusão, de enganação e de quiproquós. Todo mundo sairia ganhando com isso: os veganos, os consumidores, os falantes. Bem, os malandros não ganhariam. Quando há escolha há sempre alguém que ganha e alguém que perde. Mas a vida é assim: é feita de escolhas, critérios e prioridades.

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