Os franceses
possuem uma expressão popular para exprimir a continuidade no poder. Eles
dizem: “le roi est mort, vive le roi!”, ou seja, o rei está morto, viva o rei.
Esta era a fórmula utilizada pela monarquia, antes da Revolução Burguesa, para
afirmar a solidez da instituição. Nada como a história para destruir as nossas
mais sólidas convicções.
Nesse clima, a única ironia que nos resta é o sarcasmo, que afirma o absurdo da dança de cadeiras para exprimir a continuidade do sistema, a busca desesperada da manutenção de um status quo que não pode ter lugar em nenhuma sociedade com qualquer mínima aspiração de ser reconhecida como civilizada. Só nos resta o sarcasmo, para evidenciar com maior brutalidade a nossa barbárie.
De toda forma,
o dito continua vivo. Em italiano, adaptando a noção de monarquia, costuma-se dizer:
“morto un papa, se ne fa un altro”, quer dizer, quando um papa morre, elege-se
outro. E para dar o anúncio, usa-se a frase solene, em latim: “habemus papam”.
Nada como um dito popular para destruir o comparativismo reles que compromete
uma análise.
Citei os dois
casos, em que temos nada mais que uma tradução feita por equivalência,
considerando, portanto, o contexto cultural no qual as frases são empregadas,
para mostrar que podemos traduzir, mas não podemos generalizar. Ou seja, a
validade da sentença é estritamente local e a adaptação, à luz dos eventos
históricos, nem sempre é percebida com o mesmo sentimento. Abre-se espaço para
os deslocamentos de sentido, que adquirem matizes diferentes, de acordo com a
cultura na qual o dito é empregado.
Li hoje que
“habemus ministrum!” Será o terceiro ministro da cultura destes últimos doze
meses de desgoverno? Ou será o quarto, contando o ministro interino? Também li
com desconfiança os artigos de jornal que ungiam o novo ministro com uma série
de relações de amizade e de carreira que teriam influenciado a sua ascensão. Li
com igual desconfiança, os artigos que colocavam sua cabeça a prêmio no mercado
dos apoios políticos que garantem o frágil equilíbrio de um governo sem
legitimação eleitoral. Ambas as teses são indicações de que o vírus da
corrupção, ainda que seja corrupção de valores, no sentido moral e não
monetário, é o substrato das relações e das interpretações que fazemos da
política. Estamos longe de fazer qualquer tipo de avaliação que não seja distorcida
por uma visão contaminada da realidade. Isso me faz pensar que estamos muito
próximos do dito usado pelos franceses, sem a dose de ironia que os eventos
históricos imprimiram ao longo do tempo. Estamos assistindo ao espetáculo do
poder pelo poder e nos limitamos a especulações que, descontadas as
particularidades, equivalem-se em tudo.
Nesse clima, a única ironia que nos resta é o sarcasmo, que afirma o absurdo da dança de cadeiras para exprimir a continuidade do sistema, a busca desesperada da manutenção de um status quo que não pode ter lugar em nenhuma sociedade com qualquer mínima aspiração de ser reconhecida como civilizada. Só nos resta o sarcasmo, para evidenciar com maior brutalidade a nossa barbárie.
Comentários
Postar um comentário