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VOCÊ FALA PORTUGUÊS? ENTÃO AS LÍNGUAS INDÍGENAS SÃO UM PROBLEMA SEU

Confesso: o meu primeiro "estou estarrecida" de 2016 vai para a Pátria Educadora.

Cito o veto da nossa Presidenta em relação ao projeto de lei que daria um lugar ao sol para as línguas indígenas no nosso mapa linguístico:

“Apesar do mérito da proposta, o dispositivo incluiria, por um lado, obrigação demasiadamente ampla e de difícil implementação por conta da grande variedade de comunidades e línguas indígenas no Brasil. Por outro lado, a obrigação de se ministrar o ensino profissionalizante e superior apenas na língua portuguesa inviabilizaria a oferta de cursos em língua estrangeira, importante para a inserção do País no ambiente internacional. Por fim, a aplicação de avaliação de larga escala poderia ser prejudicada caso se tornasse obrigatória a inclusão de todas as particularidades das inúmeras comunidades indígenas do território nacional.” Presidência da República Federativa do Brasil, Mensagem nº 600, de 29 de dezembro de 2015.

Eis os artigos vetados:

"A educação básica, o ensino profissionalizante e o ensino superior serão ministrados em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem e avaliação."

"Os processos de avaliação educacional respeitarão as particularidades culturais das comunidades indígenas."

Vamos debulhar o sabugo:

O primeiro artigo vetado NÃO introduz a obrigatoriedade de ensino apenas em língua portuguesa. De fato, o artigo em vigor também não obriga as escolas a ensinarem apenas na língua materna da maioria dos cidadãos: "O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem."
O veto não se sustenta, porque não estamos falando de obrigatoriedade do ensino em português, mas de possibilidade de ensino também em línguas indígenas.

O segundo parágrafo proposto e vetado introduziria critérios mais específicos para os processos de avaliação do ensino, que também já estão previstos de forma genérica na legislação atual, quando se afirma que serão respeitados processos próprios de aprendizagem.

POR QUE AS LÍNGUAS INDÍGENAS SÃO IMPORTANTES PARA OS BRASILEIROS QUE SÃO FALANTES NATIVOS DE PORTUGUÊS?

As línguas indígenas não são apenas um patrimônio identitário das comunidades indígenas, deveriam ser consideradas um patrimônio cultural do Brasil.

É interessante como, no veto, a Presidência da República revele preocupação com o uso de línguas estrangeiras, que favorecem a inserção do Brasil no cenário mundial, mas não perceba a importância das línguas indígenas e do diálogo entre as várias comunidades linguísticas do Brasil.

Trata-se de uma postura secular, que nega e esconde o papel das comunidades indígenas na formação da identidade brasileira e que acentua ainda mais a situação de invisibilidade, marginalidade e perseguição que as comunidades indígenas sofrem no nosso país.

Isso tem nada a ver com a língua portuguesa? Tem. Além de ter a ver com a própria identidade de Brasil, é preciso considerar que toda língua viva renova-se graças aos contatos com outros idiomas, aos processos de adoção de termos estrangeiros, às transliterações, às adaptações, às traduções. As línguas que se fecham no universo próprio morrem.

Alguém dirá: mas há uma preocupação em relação a outras línguas estrangeiras. Sim, nós nos abrimos às línguas europeias e nos fechamos para as nossas quase desconhecidas línguas autóctones. Poderia dizer que isso é complexo de colonizado, mas é mais do que isso: é incapacidade de ver que não podemos ser realmente abertos ao cenário mundial, se nem sequer praticamos a abertura em relação a nós mesmos. É complexo de colonizado imitador. Achamos que é importante falar línguas europeias (e é, não há dúvida) cristalizando uma hierarquia que não possui nada de absoluto, mas é relativa do ponto de vista histórico, político e cultural.

As línguas indígenas também não são um balangandã linguístico, como os objetos que gostamos de mostrar ao fim de uma viagem de férias. São um fator de enriquecimento para as línguas com as quais entram em contato e valorizam a tão badalada pluralidade cultural do nosso país. Além disso, elas se enriquecem graças ao contato com o português e outras línguas, o dom é recíproco. Se fossem valorizadas entre nós e por nós, as línguas indígenas seriam defendidas pelos brasileiros e apresentadas ao mundo como uma medalhinha de virtude, de respeito, de convivência e de credencial para falar ao mundo como uma grande e multicultural nação.

Infelizmente, esse tipo de inclusão do Brasil no cenário mundial parece não interessar. O importante é aprender as "línguas estrangeiras", como se as únicas coisas estrangeiras de valor viessem da Europa. Pena: negamos o que somos; ignoramos, escondemos e perseguimos amplas parcelas da nossa população e aniquilamos as suas formas de expressão. Tudo em nome de uma hierarquia linguística anacrônica e desprovida de uma visão cultural ampla e profunda.

Há muitas instituições internacionais que defendem as minorias linguísticas porque sabem o que significa para a humanidade perder uma língua. Significa pauperizar a civilização, significa reforçar a hegemonia de algumas poucas línguas no cenário mundial. Significa que também o nosso universo fonético, semântico e sintático torna-se mais pobre. Significa o empobrecimento da genial diversidade de comunicação da humanidade. Há muitas instituições que sabem disso e defendem as minorias linguísticas. Enquanto isso, o Brasil começa 2016 na contramão.


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