Pular para o conteúdo principal

DIALOGUISMO E OUTROS BERGOGLIANISMOS QUE ENRIQUECEM AS LÍNGUAS

O último neologismo do Papa Francisco tem data de nascimento: 20 de Maio de 2015. Falando sobre a relação entre pais e filhos, o Papa disse que um dialoguismo superficial não comporta um verdadeiro encontro da mente e do coração. Mas na síntese em português, o "dialoguismo" foi traduzido de forma parafrástica, explicativa: "é preciso não se contentar com um diálogo superficial".
"Dialoguismo superficial" não é "diálogo superficial", mas parece evidente que os tradutores, ao contrário do Papa, não se sentem à vontade para ousar na linguagem.
Com "dialoguismo" é provável que Francisco tenha procurado evidenciar o diálogo sistematicamente ineficaz, que se torna um falar vazio, que não cumpre a sua função.
Importante: não confunda o neologismo bergogliano "dialoguismo" com o termo usado por Bakhtin, estudioso russo que cunhou o termo "dialogismo", retomado nas teorias pós-estruturalistas a partir da crítica francesa. Já em espanhol talvez a situação fique mais problemática, já que o termo bakhtiniano pode ser escrito "dialoguismo" ou "dialogismo". Os tradutores vão ter um bom osso para roer.

Dialoguismo, como afirmava acima, é apenas o último dos neologismos de um Papa que não se resume a criar um ou outro termo novo para a língua, mas inventa continuamente metáforas que já se tornaram a marca registrada do seu estilo comunicativo.

"Misericordiando" é um outro exemplo que ficou famoso e para os falantes de português tem um interesse especial: surge a partir da forma latina "miserando" que faz parte do seu mote cardinalício. Por que o interesse? Porque, especialmente no português do Brasil, o gerúndio é uma forma viva na língua, tão presente que chegamos a sofrer de "gerundismo". Francisco parece ter sentido a necessidade de agregar a forma de gerúndio para exprimir o sentido verbal da misericórdia, sem parafrasear com um verbo semelhante como "apiedar-se" ou "compadecer-se", "misericordiar" é outra coisa. É o neologismo que faltava, de fato. Especialmente num mundo tão impiedoso como o nosso.

Há outros neologismos que parecem nascer de um erro de pronúncia. É o caso de "inequidade", termo que obviamente não existe em português, mas também não existe em italiano, língua na qual o Papa pronunciou um inexistente "inequità". Existe "equidade", que significa respeitar a igualdade, a justa distribuição. O seu antônimo é "iniquidade". Só que "iniquidade" é usado geralmente para indicar uma injustiça, uma maldade. "Inequidade" não é bem a mesma coisa. Para o Papa significa uma distribuição desigual das riquezas, refere-se à economia da exclusão que ele frequentemente critica.

A lista de neologismos bergoglianos é bastante variada e curiosa: quem pode buscar os termos em italiano ou espanhol, encontrará muitos artigos sobre o tema. Contudo, procurei selecionar alguns exemplos (um termo com o sufixo -ismo, atualíssmo; com o gerúndio, tão fecundo na nossa língua; e uma aparente questão ligada à fonética) para mostrar a familiaridade do Pontífice com os recursos da língua, para mostrar como o uso da língua de forma consciente e competente dá espaço não apenas para inovações, mas para revigorar elementos que são alvos de crítica. É exatamente o que acontece com os excessos de -ismos, com o exagero do gerúndio e com os erros de pronúncia e de ortografia. E que aqui se transformam em elementos-chave para capturar a atenção dos ouvintes ou dos leitores e para caracterizar o estilo do seu autor. Além de contribuírem para o enriquecimento da própria língua, já que Vox Pontificis vox Dei est...



Comentários

Postagens mais populares