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DEZ UTILIDADES DA LITERATURA

A gente lê muito pouco, não é? Quem não tem um caso em família, na escola, entre os amigos. Então, pensando nisso, achei que seria bom compartilhar com vocês dez utilidades da literatura, as mais evidentes, para usar em caso de necessidade.

1) Serve para passar o tempo. Você está lá numa festinha chata, em que as pessoas só falam de TV e de internet e não sabe o que fazer? Fale do último livro que você leu. As pessoas vão ficar surpreendidas e provavelmente você passará a ser visto como um ser muito inteligente. Efeito colateral: você pode ficar sem ter com quem falar, mas aí já sabe o que está perdendo. Sempre dá para falar de TV e internet, mas enjoa.
2) Serve para treinar o seu conhecimento da língua. Você está lá, lendo um romance cheio de gírias e descobre, por exemplo, que há gírias que já entraram no uso corrente da língua. Se você gosta de gírias, pode sempre usar um livro como seu advogado. Obviamente, há livros sem nenhuma gíria, com palavras estranhíssimas, em desuso. Ótimo, a sua cultura agradece. O único efeito colateral pode ser o cansaço: é como fazer exercício físico, se está fora de forma, logo perde o fôlego, mas basta um pouco de esforço para devorar palavras como um verdadeiro campeão!
3) Serve para conhecer uma visão de mundo. A gente vive achando que o mundo é como a gente vê. Hoje a coisa fica ainda mais complicada, porque a gente procura ser amigo só de quem pensa como a gente. Falta dialética. Nisso, a literatura pode ser muito útil. O que está no papel fica, você pode não concordar, mas está ali a cutucar a sua consciência. Não há efeito colateral, só um pouquinho de incômodo eventual.
4) Serve para ampliar o nosso conhecimento sobre as relações humanas. A literatura não pode não ter sujeito. A poesia tem o eu lírico. A narrativa tem o protagonista. E esses sujeitos estão necessariamente em relação, mesmo que seja uma relação imaginária, inclusive com o hipotético leitor, que pode ser você, ao ler. A vantagem é que, ao contrário da literatura, que se expõe, o leitor pode vivenciar sensações e ficar quietinho. Não possui efeito colateral: ninguém vai questionar o que você pensa sobre o sujeito da literatura e o que suscitou o que você leu.
5) Serve para aprender algo novo. Há muita literatura que ensina algo enquanto conta uma história. Alguns livros ensinam a arte da guerra, outros ensinam política, há muitos que ensinam culinária, sem falar dos que ensinam sobre viagens ou sobre o comércio. Para muitos intelectuais, Robinson Crusoé, por exemplo, é uma espécie de manual sobre o capitalismo. Eu aprendi um monte de coisas sobre as tradições indígenas lendo os romances de Darcy Ribeiro e descobri muitas coisas sobre a cultura judaica lendo o Moacyr Scliar. Como aprender não enche espaço, não há efeito colateral.
6) Serve para aprender a comparar. É quase irresistível evitar a comparação quando lemos a literatura. Isso acontece porque os escritores são espertos e tentam fisgar o leitor criando um efeito de empatia com o protagonista ou o eu lírico. Nos casos mais extremos, o autor procura gerar o efeito de aversão, mas é sempre uma atração irresistível, você odeia, mas não consegue largar a personagem. O efeito colateral dessa função é exatamente a comparação, é difícil não se colocar no papel da personagem e não se perguntar: o que eu faria se estivesse no seu lugar?
7) Serve para despachar gente chata. Eu conheço pessoas que usam a literatura como antídoto para chatos de plantão. Quando você está viajando e não está a fim de contar como se fosse uma coisinha qualquer metade da sua vida para o passageiro ao lado. Quando está esperando pelo dentista e não quer falar do seu tratamento de canal. Quando vai a uma festa insuportável por culpa do seu filho ou da sua sogra. Sério, eu conheço gente que leva livro para festa.
8) Serve para encher a alma. Quando você acha que está sozinho e que ninguém mais entende os seus problemas, sempre haverá um livro sob medida para o seu caso. Sempre haverá um caso de amor desesperado para você perceber que o seu não é o único caso e que para tudo tem uma saída. Sempre haverá um retirante em busca de uma vida melhor, como você que está em busca de um melhor emprego. Sempre haverá uma injustiça reparada para as tantas pequenas injustiças da nossa vida. O efeito colateral? Você vai ver uma luz no fim do túnel, mas cuidado, pode ser ilusão de ótica.
9) Serve para colocar música nos nossos ouvidos. Essa utilidade é presente especialmente na poesia. A gente vai lendo e a musicalidade vai entrando. A gente vai descobrindo o gostinho de uma língua que às vezes parece tão dura, parece tão fria, parece tão utilitária. O risco é que a musicalidade entre e hipnotize. Mas no fundo, isso não é um problema. É como música que não sai da cabeça.
10) Essa é a mais importante de todas: a literatura serve para ser inútil. Em um mundo extremamente utilitarista, em que tudo tem um valor de acordo com o que produz, a literatura não produz nada, não transforma nada, não faz nada. A literatura recorda que há algo sagrado em sermos humanos, há um direito inalienável ao gozo da beleza. Nisso, a literatura é quase revolucionária. Ela faz a gente parar e refletir, enquanto o mundo nos diz: ande, vá em frente. A literatura é a nossa pausa para recordarmos que somos humanos, profundamente humanos e dignos, independentemente do que fazemos e de quanto ganhamos. A literatura ninguém nos tira.

Comentários

  1. Ah! Que texto excelente! Gostei muito de todas as utilidades atribuídas à Literatura, mas a de número 10! Esta é demais! Essa percepção da Literatura como um legado "inútil", que não se obriga a nada, nada exige, nada pede... Que nos faz parar para fora e vibrar por dentro... Isso eu amei!
    Maria de Lourdes Arruda Guerra, de São José dos Campos. S. Paulo. Brasil.

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