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OURO, INCENSO, MIRRA... E MORTADELA!

Há palavras que vivem aventuras incríveis: quando a etimologia não dá conta do recado, entram em jogo as lendas, que, se não explicam, inspiram.
Uma dessas palavras é mirra. Como sugere o título, a mirra está no famoso episódio dos Reis Magos, tendo sido presenteada por suas propriedades aromáticas (mas também como alusão à paixão que seria vivida por Cristo nas horas derradeiras). De fato, a mirra é um ingrediente usado na perfumaria, mas também por suas propriedades medicinais, especialmente anti-sépticas. Sob forma de incenso, também era utilizada durante funerais e na cremação, por sua aromaticidade. Além disso, desde o Egito antigo, conhecem-se as propriedades da mirra úteis no processo de embalsamação.  Daí o termo "mirrado", emagrecido, ressequido, comparável à mumificação.
Ainda na Antiguidade, uma outra planta é denominada "mirrina" por exalar um perfume que lembra a mirra: trata-se da murta, cujas frutas silvestres são utilizadas de várias formas: em doces, na fabricação de sucos, geleias, licores. Da planta de murta também se extrai o tanino. Mas provavelmente o aspecto mais curioso é que a murta está na origem da palavra mortadela, pois antes da utilização da pimenta, usava-se a murta para temperar esse especial tipo de fiambre italiano. De "murta", a iguaria foi denominada "myrtatum" ou "murtatum" em latim, indicando que era condimentada com murta, passando depois a ser denominada "murtatella" e, enfim, a atual "mortadella" (em italiano).
Se toda essa aventura lexical não bastasse, a mitologia grega descreve Mirra como filha do rei de Chipre e mãe de Adônis. Já a latina murta, dá origem ao apelido Múrcia, uma das designações romanas para Vênus, sendo a planta consagrada à deusa.

Partindo de uma palavra simples como mirra, passamos da religião à mitologia, da perfumaria a conhecimentos fúnebres, da gastronomia aos usos medicinais, de termos afins a processos de derivação. Levar em consideração a história das palavras não é apenas um capricho determinado pelo gosto pelo pitoresco, mas é uma forma de pensar o léxico ao longo do tempo e em diferentes contextos. Em outras palavras, é uma oportunidade para apreciar o horizonte da língua em sua profundidade, estimulando associações de ideias, a descoberta de sentidos não imediatamente relacionados entre si, promovendo o apropriar-se do idioma por parte dos seus falantes.

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