Nada é capaz de criar mais polêmica entre os gramáticos, nem de criar maior constrangimento entre os especialistas. O hífen divide, apaixona, põe à prova. Boa parte da briga em torno do Novo Acordo Ortográfico está relacionado ao seu uso ou à sua supressão. E os estudantes, em tudo isso? Ah, os estudantes continuam boiando, como sempre estiveram. Podem decorar e entender o motivo do uso ou da não utilização de um hífen com um radical grego ou latino, mas o problema das palavras compostas continua inalterado: a resposta, em muitos casos, não está ilustrada nas gramáticas, não aparece nos dicionários, pois a língua é rebelde, não obedece a decretos e regras preestabelecidas, e continua a tirar do forno palavras novas, formadas pela conjugação de palavras existentes ou mesmo de neologismos para formar sentidos novos, que representam as experiências que o mundo continuamente nos oferece.
Mas quando começa toda essa polêmica? Desde quando usamos o hífen em português? A professora Antônia Vieira dos Santos, da Universidade Federal da Bahia, fornece uma resposta ampla e completa sobre a questão em um artigo que pode ser lido pela rede (clique aqui). Resumo a sua lição: até o século XIX o hífen aparecia no português, mas não de forma sistemática e guiada por critérios definidos pelo editor. Isso mesmo, as gramáticas ainda não haviam criado regras rígidas que estabelecessem o seu uso: a primeira sistematização geral da ortografia do português (incluindo o uso do hífen) remonta à primeira década do século XX, por meio de um decreto português. E de lá para cá, haja decretos e discussões... que até agora não resolveram o problema.
É interessante notar que no artigo citado ressalta-se o papel do editor: no universo lusófono, o domínio das regras da língua infelizmente foi elitário por muito tempo. Portanto, editores, copistas, autores eram não apenas letrados, mas eram a própria elite desse universo, que compartilhavam usos comuns. A polêmica acende-se quando, em 1875, José Barbosa Leão propõe que a ortografia siga o critério fonético. Foi como lançar uma bomba: os defensores da etimologia da língua armaram barricada e a língua conheceu os dias da chamada "disputa ortográfica" entre sônicos e etimológicos.
Ainda hoje é no campo da etimologia que vemos as discussões mais inflamadas contra o Novo Acordo Ortográfico. Os defensores da preservação dos vestígios da história das palavras na sua ortografia não entregam os pontos facilmente. E eles têm as suas boas razões, embora desde o primeiro decreto de sistematização da ortografia só tenhamos conhecido tentativas de simplicação visando favorecer os falantes da língua e permitir o acesso aos não-especialistas. E a etimologia sofre um pouco com isso, é preciso admitir. Quanto ao hífen, essa não era uma preocupação dos etimológicos. Se hoje temos essa desgraça, temos de agradecer aos sônicos... Mas não só a eles.
Os sônicos tinham alguma razão? Bem, tinham. Eles pensavam na simplificação para beneficiar os falantes. Eles acreditavam que as palavras uniam-se à medida que o sentido da expressão era visto de forma conjunta, indissociável. Pensavam em regras que poderiam ser úteis para o momento presente e futuro. Tinham a visão sincrônica, enquanto os etimológicos tinham uma evidente visão diacrônica da língua.
Então onde está o problema? O problema está na fixação de regras em um sistema imutável, que deixa do lado de fora o "editor", a comunidade de falantes que compartilha regras. Isso verticaliza o processo, coloca na mão das academias, dos gramáticos e dos dicionaristas um grande poder, mas também uma enorme responsabilidade.
O resultado está à vista de todos nós. Até agora não temos uma regra clara para o uso do hífen. Vemos cenas de escritores que se recusam a obedecer ao decreto da nova lei. E fosse só isso: quando encontramos termos novos, é um pânico. Como escrever? Unir por hífen, deixar como expressão livre? Como isso se dá nas duas margens do oceano Atlântico? Aliás, nas três margens, pois há também a margem do Índico, que banha as costas de Moçambique. Deixo a questão para vocês. E bom fim de semana (para os brasileiros) ou bom fim-de-semana (para os portugueses). É, nem com o Novo Acordo Ortográfico a gente concorda sobre o hífen.
Mas quando começa toda essa polêmica? Desde quando usamos o hífen em português? A professora Antônia Vieira dos Santos, da Universidade Federal da Bahia, fornece uma resposta ampla e completa sobre a questão em um artigo que pode ser lido pela rede (clique aqui). Resumo a sua lição: até o século XIX o hífen aparecia no português, mas não de forma sistemática e guiada por critérios definidos pelo editor. Isso mesmo, as gramáticas ainda não haviam criado regras rígidas que estabelecessem o seu uso: a primeira sistematização geral da ortografia do português (incluindo o uso do hífen) remonta à primeira década do século XX, por meio de um decreto português. E de lá para cá, haja decretos e discussões... que até agora não resolveram o problema.
É interessante notar que no artigo citado ressalta-se o papel do editor: no universo lusófono, o domínio das regras da língua infelizmente foi elitário por muito tempo. Portanto, editores, copistas, autores eram não apenas letrados, mas eram a própria elite desse universo, que compartilhavam usos comuns. A polêmica acende-se quando, em 1875, José Barbosa Leão propõe que a ortografia siga o critério fonético. Foi como lançar uma bomba: os defensores da etimologia da língua armaram barricada e a língua conheceu os dias da chamada "disputa ortográfica" entre sônicos e etimológicos.
Ainda hoje é no campo da etimologia que vemos as discussões mais inflamadas contra o Novo Acordo Ortográfico. Os defensores da preservação dos vestígios da história das palavras na sua ortografia não entregam os pontos facilmente. E eles têm as suas boas razões, embora desde o primeiro decreto de sistematização da ortografia só tenhamos conhecido tentativas de simplicação visando favorecer os falantes da língua e permitir o acesso aos não-especialistas. E a etimologia sofre um pouco com isso, é preciso admitir. Quanto ao hífen, essa não era uma preocupação dos etimológicos. Se hoje temos essa desgraça, temos de agradecer aos sônicos... Mas não só a eles.
Os sônicos tinham alguma razão? Bem, tinham. Eles pensavam na simplificação para beneficiar os falantes. Eles acreditavam que as palavras uniam-se à medida que o sentido da expressão era visto de forma conjunta, indissociável. Pensavam em regras que poderiam ser úteis para o momento presente e futuro. Tinham a visão sincrônica, enquanto os etimológicos tinham uma evidente visão diacrônica da língua.
Então onde está o problema? O problema está na fixação de regras em um sistema imutável, que deixa do lado de fora o "editor", a comunidade de falantes que compartilha regras. Isso verticaliza o processo, coloca na mão das academias, dos gramáticos e dos dicionaristas um grande poder, mas também uma enorme responsabilidade.
O resultado está à vista de todos nós. Até agora não temos uma regra clara para o uso do hífen. Vemos cenas de escritores que se recusam a obedecer ao decreto da nova lei. E fosse só isso: quando encontramos termos novos, é um pânico. Como escrever? Unir por hífen, deixar como expressão livre? Como isso se dá nas duas margens do oceano Atlântico? Aliás, nas três margens, pois há também a margem do Índico, que banha as costas de Moçambique. Deixo a questão para vocês. E bom fim de semana (para os brasileiros) ou bom fim-de-semana (para os portugueses). É, nem com o Novo Acordo Ortográfico a gente concorda sobre o hífen.
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