"É também essa diferença o que distingue a tragédia da comédia: uma se propõe imitar os homens, representando-os piores; a outra os torna melhores do que são na realidade". Aristóteles, Arte Poética, cap. II, par. 7.
Eu queria falar da comédia, mas não posso. Não tenho cacife. Comédia é coisa séria. Quando eu for grande, dissertarei sobre ela. Contudo, posso afirmar que a maioria das comédias que vejo são banais, nem mereceriam ser consideradas tais. Pior, são uma ofensa às categorias retratadas - e digo isso sem nenhum preconceito politicamente correto. Aliás, o que não falta é humorista acusando a crítica de moralismo para justificar piada de mau gosto e agressividade gratuita fora de hora.
Nisso, as redes sociais estão dando um banho e colaborando para o rebaixamento geral da massa. Vem um, faz uma gracinha inapropriada, recebe um monte de curtidas e mais cresce a popularidade da cretinice, mais se espantam se vem alguém depois cobrar as consequências. Tipo assim: piada em relação a estupro, em relação ao corpo feminino não é piada, é agressão. Se as pessoas não sabem a diferença, está na hora de aprenderem. E de fecharem o bico, se não tiverem capacidade para mudar as suas concepções de mundo - o que seria francamente muito melhor e desejável.
Comicidade também tem a ver com poder. Preciso dizer outra vez: não tenho cacife. Não, para fazer um tratado em dez linhas sobre a República de Platão. Entretanto, não falta lição sobre isso na internet. Não é difícil, mas é trabalhoso. É necessário ler com atenção e armar-se de paratextos: textos que ajudem a esclarecer o contexto da Grécia naquele período, textos explicativos, críticas, etc. Enfim, o blog não é o espaço adequado para esse tipo de discussão, mas posso afirmar que Aristóteles estava certo ao definir a comédia: "propõe-se imitar os homens, representando-os piores". Atenção: representando-os piores, não representando os piores. Rebaixando, e não cravando a faca em quem já está em uma situação social de vulnerabilidade. Daí a minha rabugice em relação a piada sobre mulher burra, mulher preta, mulher feia, mulher gorda, mulher que merece ser estuprada. O que é isso? É agressividade. É a arrogância que se delicia com a própria prepotência. É, como dizia a minha mãe: pimenta nos olhos dos outros é doce de coco. Esse tipo de piada é covardia. É, como disse o Jean Wyllys, a banalização do mal.
Motivo de piada? É o deputado arrogante, é o marido machista, é o juiz prepotente, é o policial que mata, é o empresário corrupto. Essas são as personagens da realidade a serem rebaixadas.
Não sei por qual motivo essas personagens ficam confinadas no cartum, que continua sendo uma das formas mais interessantes de crítica e de comicidade à nossa disposição. Elas não adquirem voz nem corpo teatral, ou sou eu que ando muito por fora da cena. Tudo o que tenho visto me aborrece.
Que rebaixassem um sociólogo ou suposto tal, sempre capaz de pontificar, mas não de resolver problemas. Seria divertido. Ou mirassem um jornalista famoso (a fama comporta o fato de preparar-se para críticas). Mas não fazemos isso: com os que têm qualquer forma de poder a reverência, o respeito e o risco de um processo por calúnia são armas sempre carregadas para deter o poder catártico da comédia. Então só me resta ler Aristófanes e me divertir com a caricatura de Sócrates pendurado em um cesto, nas nuvens... Um texto ambíguo, como as grandes obras-primas, que criticam para provocar as consciências. Sócrates, afinal, a gente sabe, que se sai muito bem, apesar de ser depenado na peça. Os grandes são capazes de fazer rir e de fazer pensar.
Eu queria falar da comédia, mas não posso. Não tenho cacife. Comédia é coisa séria. Quando eu for grande, dissertarei sobre ela. Contudo, posso afirmar que a maioria das comédias que vejo são banais, nem mereceriam ser consideradas tais. Pior, são uma ofensa às categorias retratadas - e digo isso sem nenhum preconceito politicamente correto. Aliás, o que não falta é humorista acusando a crítica de moralismo para justificar piada de mau gosto e agressividade gratuita fora de hora.
Nisso, as redes sociais estão dando um banho e colaborando para o rebaixamento geral da massa. Vem um, faz uma gracinha inapropriada, recebe um monte de curtidas e mais cresce a popularidade da cretinice, mais se espantam se vem alguém depois cobrar as consequências. Tipo assim: piada em relação a estupro, em relação ao corpo feminino não é piada, é agressão. Se as pessoas não sabem a diferença, está na hora de aprenderem. E de fecharem o bico, se não tiverem capacidade para mudar as suas concepções de mundo - o que seria francamente muito melhor e desejável.
Comicidade também tem a ver com poder. Preciso dizer outra vez: não tenho cacife. Não, para fazer um tratado em dez linhas sobre a República de Platão. Entretanto, não falta lição sobre isso na internet. Não é difícil, mas é trabalhoso. É necessário ler com atenção e armar-se de paratextos: textos que ajudem a esclarecer o contexto da Grécia naquele período, textos explicativos, críticas, etc. Enfim, o blog não é o espaço adequado para esse tipo de discussão, mas posso afirmar que Aristóteles estava certo ao definir a comédia: "propõe-se imitar os homens, representando-os piores". Atenção: representando-os piores, não representando os piores. Rebaixando, e não cravando a faca em quem já está em uma situação social de vulnerabilidade. Daí a minha rabugice em relação a piada sobre mulher burra, mulher preta, mulher feia, mulher gorda, mulher que merece ser estuprada. O que é isso? É agressividade. É a arrogância que se delicia com a própria prepotência. É, como dizia a minha mãe: pimenta nos olhos dos outros é doce de coco. Esse tipo de piada é covardia. É, como disse o Jean Wyllys, a banalização do mal.
Motivo de piada? É o deputado arrogante, é o marido machista, é o juiz prepotente, é o policial que mata, é o empresário corrupto. Essas são as personagens da realidade a serem rebaixadas.
Não sei por qual motivo essas personagens ficam confinadas no cartum, que continua sendo uma das formas mais interessantes de crítica e de comicidade à nossa disposição. Elas não adquirem voz nem corpo teatral, ou sou eu que ando muito por fora da cena. Tudo o que tenho visto me aborrece.
Que rebaixassem um sociólogo ou suposto tal, sempre capaz de pontificar, mas não de resolver problemas. Seria divertido. Ou mirassem um jornalista famoso (a fama comporta o fato de preparar-se para críticas). Mas não fazemos isso: com os que têm qualquer forma de poder a reverência, o respeito e o risco de um processo por calúnia são armas sempre carregadas para deter o poder catártico da comédia. Então só me resta ler Aristófanes e me divertir com a caricatura de Sócrates pendurado em um cesto, nas nuvens... Um texto ambíguo, como as grandes obras-primas, que criticam para provocar as consciências. Sócrates, afinal, a gente sabe, que se sai muito bem, apesar de ser depenado na peça. Os grandes são capazes de fazer rir e de fazer pensar.
Há que se ter paciência - a internet potencializou o bom e o mau. Há que se ter fé - um dia, os perdidos sem-causa, os sem-cabeça, os que se comprazem com o besteirol e os ativistas resguardados pelo no anonimato se cansarão de brincar de internet. Estes são meus votos para 2015.
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