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O CERTO E O ERRADO NA ERA DA RELATIVIZAÇÃO

Todo mundo tem uma quimera, eu também tenho a minha: encontrar uma palavra pura, sem dimensão temporal, intercambiável na construção da frase, imune a usos ideológicos. Claro que a língua não pode ter um elemento assim, como acontece com a matemática, porque a língua nunca se submete a composições cristalizáveis. A língua não conhece regras universais e as generalizações feitas a golpe de decreto ou de regra gramatical estão sempre com a guilhotina da evolução pronta para cortar-lhes as cabeças.
A consciência de que a língua é uma expressão e uma extensão da experiência humana não deve, porém, levar à ilusão de um comportamento lassista, em que tudo é possível, aceitável e relativo. Na realidade é assim, mas depende: depende de quem fala e do contexto em que fala.

Por exemplo, fico muito incomodada com as ridicularizações feitas em relação a pessoas que tiveram pouco ou nenhum acesso à educação formal: aquela coisa de rir do feirante que vende "sebola", da ambulante que oferece "pasteu", e outros horrores ortográficos. Ora, se não quer "pasteu" da ambulante, compre o pastel do chef, pague o dobro e tenha a satisfação de comer a guloseima corretamente grafada... Mas pensou na distância social, e na falta de oportunidades, que separa a ambulante do chef? "Pasteu" é a única coisa que ela pode oferecer e, até onde eu saiba, palavra errada só afeta o fígado dos linguistas puristas e dos indiferentes à secular injustiça que a ignorância representa.
Claro que a ignorância não é aceitável e "sebola" é tão indigesta para o gramático e para o professor, quanto a cebola é indigerível para certos gourmets. Mas um fato é combater a ignorância, outra coisa é combater o ignorante. É como o médico que optasse por matar o doente para acabar com a doença.
Então, nessa luta utópica e provisória, o nosso objetivo é educar, não? É dar o conselho útil para que as pessoas possam assumir ao menos o controle da sua expressão, concordam? Nada de rir das pessoas ignorantes, isso é covardia, decididamente algo de mau gosto.
Mas rir de uma gafe cometida por alguém que conhece bem a língua? Quem consegue resistir ao riso, nesse caso? É claro que a gente ri, porque, antes de racionalizar, o nosso cérebro reage a uma violação (nesse caso de uma regra da língua institucionalizada).
E se eu dissesse que a violação vai muito além da gafe e do riso, mas é o verdadeiro motor da língua, que garante a sua vitalidade e a renovação necessária (quase fosse uma extensão do nosso corpo que cresce e evolui e não apenas uma expressão da nossa experiência)? Precisamos violar a língua para afirmar a nossa identidade, para confirmar a nossa pertença social e para criar diálogo.
Para quem pensa que essa é uma abordagem heterodoxa, basta pensar que o idioleto, quer dizer, o nosso modo pessoal de falar, é sempre único, portanto é sempre uma variação do sistema geral da língua. Não deixa de ser uma violação e não deixa de ser uma regra.
Violações também são a norma da criação literária. Nenhuma obra pode ser original sem introduzir novos elementos à expressão da língua.
Há violações nos jargões profissionais, que utilizam tecnicismos desconhecidos na linguagem cotidiana ou arcaísmos que já foram descartados em outros registros.
A história da evolução da língua coincide com a história das violações que sofreu.
E apesar de tudo, o certo e o errado ainda existem, e é bom ensinar que nem tudo é farinha do mesmo saco. Quando a gente ensina a gramática, toca com a língua (a mesma que toca o céu da boca) sonoridades harmônicas e desarmônicas, afinadas e desafinadas, compassadas e descompassadas. Com exercício e experiência a gente vai dominando a língua (aquela da gramática) para melhor exprimir a nossa individualidade, os nossos desejos, os nossos sonhos, as nossas ideias, as nossas reivindicações. E aprende-se também a ler a língua alheia. Aliás, a literatura nessa aprendizagem tem um papel importante, pois expõe o leitor a expressões complexas, sofisticadas, desafiadoras. Como importante é, aos poucos, ir exercitando a crítica, que deve ser estimulada com mão segura pelo professor.
E professor lá pode ter mão segura entre palavras que escorrem entre os dedos?
Poder, pode; mas às vezes está tão cansado, tão desestimulado, tão rebaixado pelas políticas governamentais, que se limita a fazer o mínimo: informar quais são as críticas mais respeitáveis da história (para que não se diga que não cumpriu o seu papel). É, isso também acontece. E os alunos saem da escola com aquela bagagem pronta para ser copiada, sob medida para uma sociedade belestrista, que adora a péssima retórica e o pedantismo. Pouca crítica ajuda a ignorância e não promove a boa violação da língua.
É aí que retorno ao ponto inicial: os conservadores da língua, com palmatória pronta para punir qualquer violação da gramática normativa, já pararam para pensar que, às vezes, partindo com as melhores intenções, não só castram os falantes, mas são o freio de uma língua que precisa evoluir para permanecer viva?
É preciso pensar nisso: nos erros, nos falantes, nos padrões da língua e no que é certo ou errado em cada situação. É uma equação interessante, talvez bem mais desafiadora que o número puro da matemática, não?

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