Em Hamburgo, na Alemanha, já é assim: é obrigatório alfabetizar usando letra de forma. Motivo: é o tipo de escrita mais comum no cotidiano das crianças (e dos adultos também), que vivem rodeadas de jornais, placas, avisos, livros escritos em letra de imprensa. Não é mais preciso aprender duas grafias diferentes, explicam as autoridades, mas quem quiser pode escolher o exercício de caligrafia como disciplina opcional.
A Finlândia, segundo fontes jornalísticas, também está pensando em seguir o mesmo caminho. As atividades de motricidade fina poderiam ser transferidas para as artes visuais.
No Brasil, a professora Magda Soares (professora emérita da Faculdade de Educação da UFMG) explica os motivos dessa preferência: na fase em que a criança está descobrindo a relação entre letras e fonemas, a letra de forma permite uma melhor distinção gráfica e é mais simples de escrever nessa etapa de treino das habilidades motórias.
Alguns vão além, dizendo que o tempo "perdido" para "bordar" as letras cursivas são o bastante para desmotivar as crianças e emperrar o processo de aprendizagem. E sempre há Piaget para embasar quem defende uma linha mais suave, respeitando o tempo de cada criança.
No campo oposto o armamento também é pesado: segundo o professor e badalado psiquiatra Norman Doidge, o maior esforço para integrar as áreas simbólica e motora do cérebro ao executar a escrita cursiva vale o esforço de praticar a caligrafia. Outros especialistas nessa linha resumem assim: é uma ginástica para o seu cérebro.
Os grafólogos, com a respeitabilidade conquistada na área forense, afirmam que o abandono da letra cursiva comportará uma grande perda no desenvolvimento das qualidades individuais.
Obviamente, não faltam os exames com ressonância magnética (como os realizados pela Universidade de Indiana) para mostrar a relação entre a escrita manual e as regiões cerebrais ligadas à imaginação.
Enfim, encontrei uma série de artigos que falam que a letra cursiva está longe do declínio: de fato, nos países mais avançados do Oriente há concursos escolares que premiam os melhores ideogramas (a fonte desse comentário é Norberto Bottani, um pedagogo muito respeitável). Mas eu me pergunto: ideogramas e cursivo são equiparáveis? Estamos falando de habilidades motórias finas, como se apenas a escrita em cursivo fosse capaz de treinar? Como se o cursivo fosse a tábua de salvação das novas gerações?
A letra cursiva tem uma história interessante: é uma simplificação da escrita notarial ocorrida no século XVI, na Itália. Há muito de peculiar nisso: seja o fato de a escrita notarial ter uma importância enorme em um território que é reconhecido como berço das nossas instituições jurídicas, seja porque o cursivo nessa fase de transição do manuscrito para a imprensa vive momentos de glória. É o período do incunábulo, primeiros textos impressos que seguiam o padrão dos textos escritos à mão. Há também outros elementos pitorescos: na escrita datilográfica, o cursivo equivale justamente ao tipo itálico; e quando queremos evidenciar um trecho, usando itálico ou outra forma de destaque, escrevemos entre parênteses a expressão "grifos meus". Pois é: o senhor Francesco Griffo é o tipógrafo do século XV conhecido por desenhar caracteres em italiano e por ter tido uma grande influência nessa arte. Como vemos, o cursivo não é tão antigo como parece, é um estilo elegante, mas certamente não é a única forma de escrita manual, nem pode, a meu ver, ser comparada à escrita de ideogramas. A bela escrita é outra coisa: chama-se caligrafia, tem seu lugar ao sol, mas também nesse caso não acredito que seja o único modo de exercitar as habilidades motoras finas. Seria anticientífico pensar que há somente uma forma para resolver um problema. Tratar as formas de modo absoluto, como eu sugeria no título, está mais para dogmatismo do que para discussão acadêmica.
E vocês acham que as coisas acabam por aqui? Não... Há professores que se baseiam na caligrafia em cursivo dos alunos para inferir problemas de disgrafia (que junto com a dislexia é um problema "observado" cada vez mais precocemente no mundo Ocidental). E haja paciência para elevar o nível da discussão e sair do maniqueísmo obscurantista dos fiéis de uma e de outra linha. É uma situação dramática, porque nas escolas muitos professores aplicam cegamente as receitas dadas no último curso de atualização ou no último artigo lido na internet (artigos que nem sempre são acadêmicos, mas são uma salada mista jornalística que não faz distinção entre caligrafia, letra cursiva e escrita manual, demonizando ou exaltando a tecnologia de acordo com a teoria em voga no momento).
A minha opinião é a seguinte: caligrafia na escola é ótimo, mas não deve ser punitiva. É bom saber escrever em cursivo para aqueles momentos cada vez mais raros, mas ainda importantes, como assinar um documento (embora não acredite que isso será necessário quando meu filho for maior de idade...). Mas importante mesmo é exercitar as habilidades motoras finas: na escrita manual, nas artes, na vida cotidiana (como dizia Maria Montessori - ensinar a enfiar linha na agulha é uma atividade fundamental para as crianças). O resto, honestamente, tem cheiro de ideologia, de dogma, de guerra santa.
É uma coisa muito séria: porque na punição dos "garranchos", não estamos avaliando o potencial das crianças, muito menos o que os garranchos dizem. Ficamos na forma, na superfície, repetindo os erros de todas as gerações que nos precederam: o importante é um texto bonito, não um texto consistente. Raios que o partam! É possível que as pessoas continuem estruturando dissertações com esquemas e palavras-chave a serem utilizadas no primeiro, segundo, terceiro parágrafo e que, mesmo com um curso universitário completo, acabem rapidamente nas fileiras do analfabetismo funcional? É possível que a escola privilegie a caligrafia, a letra cursiva, e não um texto com substância? E não a capacidade de leitura e de interpretação?
A todos os pais que leem nesse momento este texto: não desanimem. E não se deixem levar pelas pseudoteorias pedagógicas. A vida é muito mais que um programa escolar.
A Finlândia, segundo fontes jornalísticas, também está pensando em seguir o mesmo caminho. As atividades de motricidade fina poderiam ser transferidas para as artes visuais.
No Brasil, a professora Magda Soares (professora emérita da Faculdade de Educação da UFMG) explica os motivos dessa preferência: na fase em que a criança está descobrindo a relação entre letras e fonemas, a letra de forma permite uma melhor distinção gráfica e é mais simples de escrever nessa etapa de treino das habilidades motórias.
Alguns vão além, dizendo que o tempo "perdido" para "bordar" as letras cursivas são o bastante para desmotivar as crianças e emperrar o processo de aprendizagem. E sempre há Piaget para embasar quem defende uma linha mais suave, respeitando o tempo de cada criança.
No campo oposto o armamento também é pesado: segundo o professor e badalado psiquiatra Norman Doidge, o maior esforço para integrar as áreas simbólica e motora do cérebro ao executar a escrita cursiva vale o esforço de praticar a caligrafia. Outros especialistas nessa linha resumem assim: é uma ginástica para o seu cérebro.
Os grafólogos, com a respeitabilidade conquistada na área forense, afirmam que o abandono da letra cursiva comportará uma grande perda no desenvolvimento das qualidades individuais.
Obviamente, não faltam os exames com ressonância magnética (como os realizados pela Universidade de Indiana) para mostrar a relação entre a escrita manual e as regiões cerebrais ligadas à imaginação.
Enfim, encontrei uma série de artigos que falam que a letra cursiva está longe do declínio: de fato, nos países mais avançados do Oriente há concursos escolares que premiam os melhores ideogramas (a fonte desse comentário é Norberto Bottani, um pedagogo muito respeitável). Mas eu me pergunto: ideogramas e cursivo são equiparáveis? Estamos falando de habilidades motórias finas, como se apenas a escrita em cursivo fosse capaz de treinar? Como se o cursivo fosse a tábua de salvação das novas gerações?
A letra cursiva tem uma história interessante: é uma simplificação da escrita notarial ocorrida no século XVI, na Itália. Há muito de peculiar nisso: seja o fato de a escrita notarial ter uma importância enorme em um território que é reconhecido como berço das nossas instituições jurídicas, seja porque o cursivo nessa fase de transição do manuscrito para a imprensa vive momentos de glória. É o período do incunábulo, primeiros textos impressos que seguiam o padrão dos textos escritos à mão. Há também outros elementos pitorescos: na escrita datilográfica, o cursivo equivale justamente ao tipo itálico; e quando queremos evidenciar um trecho, usando itálico ou outra forma de destaque, escrevemos entre parênteses a expressão "grifos meus". Pois é: o senhor Francesco Griffo é o tipógrafo do século XV conhecido por desenhar caracteres em italiano e por ter tido uma grande influência nessa arte. Como vemos, o cursivo não é tão antigo como parece, é um estilo elegante, mas certamente não é a única forma de escrita manual, nem pode, a meu ver, ser comparada à escrita de ideogramas. A bela escrita é outra coisa: chama-se caligrafia, tem seu lugar ao sol, mas também nesse caso não acredito que seja o único modo de exercitar as habilidades motoras finas. Seria anticientífico pensar que há somente uma forma para resolver um problema. Tratar as formas de modo absoluto, como eu sugeria no título, está mais para dogmatismo do que para discussão acadêmica.
E vocês acham que as coisas acabam por aqui? Não... Há professores que se baseiam na caligrafia em cursivo dos alunos para inferir problemas de disgrafia (que junto com a dislexia é um problema "observado" cada vez mais precocemente no mundo Ocidental). E haja paciência para elevar o nível da discussão e sair do maniqueísmo obscurantista dos fiéis de uma e de outra linha. É uma situação dramática, porque nas escolas muitos professores aplicam cegamente as receitas dadas no último curso de atualização ou no último artigo lido na internet (artigos que nem sempre são acadêmicos, mas são uma salada mista jornalística que não faz distinção entre caligrafia, letra cursiva e escrita manual, demonizando ou exaltando a tecnologia de acordo com a teoria em voga no momento).
A minha opinião é a seguinte: caligrafia na escola é ótimo, mas não deve ser punitiva. É bom saber escrever em cursivo para aqueles momentos cada vez mais raros, mas ainda importantes, como assinar um documento (embora não acredite que isso será necessário quando meu filho for maior de idade...). Mas importante mesmo é exercitar as habilidades motoras finas: na escrita manual, nas artes, na vida cotidiana (como dizia Maria Montessori - ensinar a enfiar linha na agulha é uma atividade fundamental para as crianças). O resto, honestamente, tem cheiro de ideologia, de dogma, de guerra santa.
É uma coisa muito séria: porque na punição dos "garranchos", não estamos avaliando o potencial das crianças, muito menos o que os garranchos dizem. Ficamos na forma, na superfície, repetindo os erros de todas as gerações que nos precederam: o importante é um texto bonito, não um texto consistente. Raios que o partam! É possível que as pessoas continuem estruturando dissertações com esquemas e palavras-chave a serem utilizadas no primeiro, segundo, terceiro parágrafo e que, mesmo com um curso universitário completo, acabem rapidamente nas fileiras do analfabetismo funcional? É possível que a escola privilegie a caligrafia, a letra cursiva, e não um texto com substância? E não a capacidade de leitura e de interpretação?
A todos os pais que leem nesse momento este texto: não desanimem. E não se deixem levar pelas pseudoteorias pedagógicas. A vida é muito mais que um programa escolar.
Gostei muito da leitura. Produtiva e mostra dois pensamento e até um terceiro para reflexão.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário!
ExcluirAmei o artigo. Nas vale uma ressalva, Maria Montessori, a quem muito admiro, ensinava letra cursiva a crianças de 5 anos.
ResponderExcluirOlá, Patrícia! Eu também adoro a Maria Montessori. Realmente, lembrei das atividades que ela propunha e não comentei sobre a escrita. Obrigada pela observação.
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