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HÁ TRUQUES E TRUQUES

Antonio Candido que me perdoe, mas malandragem não é fundamental. Admiro o grande mestre, que soube descrever a malandragem como um dos traços distintivos da cultura brasileira, mas, sabe como é, em país de malandro, toma-se por receita o que é diagnóstico!
Na realidade, Candido nunca fez apologia da malandragem: apenas reconheceu e explicou a peculiaridade da literatura de Manuel Antônio de Almeida e de Mário de Andrade. São os maus leitores que acharam que a malandragem é uma gracinha e um direito universal dentro da nação brasileira.

Estou disposta a pagar novamente o ônus de ser considerada moralista, o que posso fazer? Chego à conclusão de que sou mesmo assim. Mas não demonizo nada e ninguém: sei apreciar e rir das peripécias do Sargento de Milícias, sei ver a alegoria de um Macunaíma, mas isso não significa que anulei o meu discernimento. Macunaíma, é sempre bom lembrar, é o herói sem nenhum caráter: se a literatura tem uma função social, Mário de Andrade deixou ao leitor um prato cheio! A história acabou? Então, é hora de fechar o livro e forjar o caráter.

A MALANDRAGEM NA LÍNGUA

O fenônemo da malandragem não se limita a um comportamento social, que a literatura bem descreve, mas tem expressividade, materializa-se na língua. Tem aspectos positivos e negativos.
A malandragem no sentido negativo é aquela que me faz lembrar as personagens de Lima Barreto: Numa, o deputado formado por apostila, que jamais leu um livro por inteiro e que tem seus discursos escritos pela mulher, ou melhor, pelo amante da esposa, que ele descobre e aceita para não perder a sua reputação política; ou o professor de javanês, que se apresenta como especialista de uma língua que ignora totalmente.
São malandros atuais? São! São aqueles que improvisam e que de repente deslizam. Pior ainda se insistem no erro (geralmente vícios de linguagem) e negam a evidência. A arrogância é a melhor amiga da pior malandragem.
É um mal que tem cura: ler ajuda, porque a exposição constante aos estímulos visuais do texto escrito favorece a memorização; a dúvida também é boa conselheira, é o alerta da nossa intuição de que está na hora de clicar no dicionário. É melhor não hesitar: perde-se um minuto para tirar a dúvida, perde-se muito mais (sobretudo a credibilidade) ao ignorar a nossa intuição. Por fim, a prática da escrita (na sua área de trabalho, ou como passatempo) ajuda a memorizar o movimento dos dedos sobre o teclado (melhor seria se a escrita fosse à mão livre, mas sei que se disser isso vou ser considerada obsoleta): aos poucos a ortografia correta se automatiza, já nem precisamos pensar antes de escrever.

A malandragem no sentido positivo é aquela que eu comparo ao trabalho do copista ou do aprendiz. Se ainda não tenho autonomia suficiente para elaborar um texto original, quer dizer, criativo, com um toque pessoal, com um estilo que possa agradar o leitor, então posso utilizar um outro texto como modelo. Isso é muito útil, por exemplo, para a redação de artigos de graduação. O uso das fórmulas típicas, a obediência às regras de formatação e estruturação do texto, uma boa revisão ortográfica e gramatical, eliminando, como é normal nesse tipo de documento, a repetição descabida de termos, recorrendo à anáfora, por exemplo, para evitar excessos, podem ser uma boa baliza. Um texto bem apresentado e bem escrito dá sempre uma boa impressão para quem lê.

Por fim, é preciso saber que o aprimoramento da língua é um trabalho solitário. Cada um decide ser cuidadoso ou desleixado em relação ao uso que faz da língua. Mas o barco é único para todos os falantes. Quando muita gente fala e escreve mal, tem-se a sensação de que se navega às cegas, sem comandante e sem capitão... Sem professores com garra para gritar: força, remem!

Tenho lido muita gente que escreve mal e muita gente que fala mal, mas sei que mesmo após um naufrágio não se conta a tragédia pelas vítimas, mas pela coragem dos que sobreviveram e pelo heroísmo de quem soube ser o último a descer da embarcação.

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