Quando falo de Machado de Assis, falo de língua, de um magistral exemplo de língua. Quando falo de Montaigne, falo de língua, falo de como a língua dá forma aos pensamentos e de como os pensamentos estruturam e limitam as possibilidades da língua. Quando falo dos meus escritores preferidos não sei se fica claro que estou falando dessa matéria-prima essencial: a língua. Se isso não fica muito claro, peço desculpas e prometo voltar ao assunto.
Hoje, porém, queria falar dos problemas cotidianos, das pedras no nosso caminho de falantes e autores de memorandos, relatórios, cartas, emails, currículos. Não que Machado não possa ser melhor professor, mas nos acostumamos rápido com as estratégicas lúdicas da didática (a nós, professores, o mea culpa) e esquecemos de mostrar a beleza de língua que a literatura tem para compartilhar com outras formas de discurso.
Enfim, vou deixar o Machado em paz e falar do prosaico, como se o prosaico fosse uma categoria distinta (é e não é, mas fiquemos só com a segunda opção).
Vou falar só de língua e do problema que aflige os falantes de hoje: acordo ortográfico, sim, ou acordo ortográfico, não? Qual é o seu partido? E o que fazer na hora de escrever um documento prosaico, mas decisivo, como um currículo, por exemplo? E agora que fomos os primeiros a pedir prorrogação na aplicação do acordo, continuamos a transição ou aproveitamos o momento de vacilação para restaurar o ancien regime?
Onde está a língua pura, onde está a língua certa (o santo graal dos anônimos autores de relatórios)?
A língua está em uma selva escura, diria Dante, sem medo de aventurar-se com o poeta maior.
Nós que somos marias e josés podemos usar uns cajadinhos para enfrentar os perigos que nos rodeiam: critério, verificando as próprias escolhas em exemplos do presente e do passado (usando fontes credenciadas); atenção para com o destinatário (mantendo o estilo pessoal, mas tendo o cuidado de usar léxico compartilhado e reconhecível pelo interlocutor); ouvidos atentos para descobrir novas tendências e aumentar o nosso repertório. Os casos ambíguos são justificados, em casos de controvérsia, com a ambiguidade mesma. Se há mais de uma forma válida, todas devem ser aceitas. E por fim, tentem ser coerentes, não utilizem uma regra em um parágrafo e uma regra diferente em outro parágrafo. Por mais que possam ser formas aceitas, dará a impressão de conhecimento insuficiente, de vacilação, de falta de cuidado, de distração. Um pequeno erro chama mais a atenção que o conteúdo, porque salta imediatamente aos olhos e exige menos concentração do que a necessária para acompanhar a argumentação.
Essas, portanto, são dicas preciosas para os profissionais que não têm formação linguística e não trabalham com a língua. Para um engenheiro, um vendedor, um consultor, um economista, um executivo em geral, a língua deve receber atenção redobrada: as questões técnicas eles tiram de letra... É a língua que pode queimar o filme de um bom relatório.
Boas festas!
A todos os meus votos de sucesso na comunicação!
Amor pela língua portuguesa
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