Em janeiro
deste ano publiquei aqui no blog um comentário sobre a vida complicada do
sufixo –ismo, que, entre as suas várias funções, assume também tom jocoso ou
depreciativo. Comentei também o uso de outros sufixos, em especial o –eiro, o
meu preferido. Por que volto sempre a esse assunto? Porque os sufixos dão elementos,
especialmente aos que não são falantes nativos, para entender o processo de
formação de palavras, para elaborar hipóteses semânticas.
Os leitores
assíduos também vão lembrar que adoro refletir sobre o uso das palavras que
ofendem. Não que eu faça apologia no sentido literal, mas tenho a convicção de
que uma palavra dura é sempre menos pior que uma bofetada literal. Se a língua
deve ser usada para tantas coisas, inclusive resolver conflitos, também deve
ser útil para evidenciar o conflito, evitando a pancadaria real.
O que os
sufixos têm a ver com isso? Simples: também existe um sufixo para desmoralizar.
É o sufixo –ICE. Esse é mais um exemplo do que costumo repetir nas minhas
aulas: a língua portuguesa é bastante formal e segue padrões previsíveis de
derivação e aportuguesamento. Isso facilita muito a vida de quem usa o idioma,
pois sabe que na hora da dificuldade um sufixo ou um prefixo terão boa
probabilidade de bastarem para resolver o problema.
Aí vão as
instruções para o uso de -ICE:
- Use-o para
indicar um fenômeno ou processo negativo;
- Junte-o a
um nome ou adjetivo para extrair o aspecto negativo da palavra;
- Junte-o a
um termo negativo para enfatizar o aspecto negativo;
- Não use
uma palavra derivada com –ice em sentido irônico, vai soar como uma provocação.
Casos
práticos:
- Não faça criancices;
Que idiotice é essa agora?; Nossa, que burrice!; Ostentar riqueza é muita
cafonice; Vigarice é vender gato por lebre; Continuar insistindo é teimosice;
etc.
A lista dos –ICE é longa, portanto as
possibilidades de briga são muitas. Contudo, como boa brasileira que sou, o meu
conselho é este: use jogo de cintura e tente evitar a discussão quando é
possível. Na maioria dos casos não vale a pena.
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