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SEIS NÃO É MEIA DÚZIA

Sinônimo não existe. Quando as pessoas me perguntam o que estou querendo dizer com isso, costumo responder que estou dizendo o que estou dizendo; se quisesse dizer outra coisa diria outra coisa. Na verdade, quando as pessoas perguntam o que você está querendo dizer, não estão esperando que você se explique  com outras palavras, afinal de contas, todo mundo sabe que “sinônimo não existe”. As pessoas estão esperando que você explique a metáfora, o uso deslocado que fez com suas palavras; esperam que você explique o que não foi dito, foi dito com meias palavras ou foi dito metaforicamente, usando um “deslizamento semântico”, como se diz em termos linguísticos. Seis não é meia dúzia porque sinônimo não existe, mas seis pode ser meia dúzia porque a língua é polissêmica.
Uma questão de polissemia. Como digo frequentemente a meus alunos, é preciso prestar atenção às definições usadas para explicar a língua, que nesse caso é “deslizamento”. De fato, o fenômeno do “deslizamento” é muito produtivo na linguagem informal, em que necessidades imediatas levam os falantes a dar novo significado a elementos já existentes na língua. A nossa língua portuguesa está cheia de exemplos e por isso pode ser muito pertinente perguntar: o que você está querendo dizer com isso?
Os verbos mais usados do cotidiano são muito sujeitos a esse fenômeno (e são também, justamente por causa da presença constante e antiga na língua, os mais irregulares): os verbos dar (101 acepções, sem considerar as expressões idiomáticas), ter (60 acepções, mais expressões idiomáticas), fazer (58 acepções, mais expressões idiomáticas) estão certamente entre os termos mais férteis da língua. Nomes muito comuns também comportam-se de maneira análoga: “casa” e “fogo” possuem cada um 19 diferentes acepções. O falante nativo tira de letra a questão, porque nasce no contexto informal em que o fenômeno está na ordem do dia e aprende logo que em caso de dúvida o melhor é esclarecer. O ponto é um pouco mais delicado para o falante estrangeiro porque é preciso estar preparado para qualquer eventualidade e convém saber que as eventualidades são mais recorrentes do que parece, mesmo no uso formal da língua.
Quem me conhece sabe que gosto de brincar com a polissemia da língua, mas na hora de falar sério seis não é meia dúzia. Ainda sou do tempo em que certo é certo e errado é errado. Para dizer em termos modernos: uma coisa inadequada é errada para aquele contexto. Muda a linguagem, menos simplista de um simples “certo” ou “errado”, mas no fundo o que queremos dizer é isso, que em tal circunstância e em tal momento uma coisa só pode funcionar ou não funcionar. Só pode ser uma ou outra coisa.
Se alguém disser que seis é o mesmo que meia dúzia, desconfie. Ou está brincando com você, ou está trapaceando.

Comentários

  1. Gislaine, que texto bárbaro! Adorei. Vc tem um visão invejável do idioma e seu entorno. Sou seu fã.

    Abraço.
    Mário Baggio

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  2. Excelente o seu artigo. Mas, destaco o lead: abertura boa, estimulante, bem-humorada. Coisa rara. Vou citar você (novamente) no próximo post de Clareza e Coerência. Lógico!

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  3. Claudia e Mário,
    obrigada pelos comentários! O blog anda meio parado porque tenho tido bastante trabalho ultimamente! Abraço
    Gislaine

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  4. Gislaine está sendo recomendada hoje em Clarência & Coerência. Mais que justo.

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