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AS AGRURAS DE SER -ISMO


Este era para ser um texto sobre palavras que estão sumindo, que soam continuamente em meus ouvidos como um despertador tocando o alarme. Se pensarem em palavras com as características que menciono, verão que muitas poderiam entrar na lista dos termos em via de extinção. O problema é que a reflexão tomou outra forma, aliás incompleta, e para fornecer dados mais confiáveis eu precisaria de meses de pesquisa. Ficam então o mote e os questionamentos que talvez com tempo eu possa investigar. As tentativas de obter resultados imediatos (diga-se, buscando exemplos na internet) falharam. Entre lançar o desafio e calar para não perder reputação, optei pela primeira opção e arco com as consequências. Azar o meu, quem mandou eu inventar um diário sobre a língua?

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Sensacionalismo, simplismo, regionalismo, são mais de mil e quinhentas as palavras dicionarizadas com a terminação –ismo, indicando geralmente uma peculiaridade, uma corrente, uma característica, uma doutrina. Uma partição: o seu uso inflacionou-se a ponto de constituir um termo jocoso para referir-se a esses pequenos fragmentos com os quais tentamos construir um arcabouço de conhecimentos (geralmente úteis, mas não necessariamente) para sobreviver à diversidade, à variabilidade e ao excesso que nos circundam. Exemplo citado por Aurélio: “Leva o tempo a falar em futurismo, modernismo, dadaísmo e outros ismos”.
O uso do –ismo, dizem os estudiosos, incrementa-se a partir do Iluminismo. Mas será que aumenta acompanhando também a nossa exponencial fragmentação do conhecimento, da sociedade e dos próprios sujeitos? O seu emprego excessivo é sinal de uma cultura que coloca na especialização do saber e na busca da novidade uma grande carga simbólica? Peque-se por perfeccionismo, mas ai de quem se perder em generalidades!
-Ismo: haveria muito a aprofundar sobre isso, de modo que este é um texto manco. Deixo apenas algumas inquietações sobre o tema.
- Ao lado dos –ismos, há um avanço dos prefixos neo- e pós-? Será a última fronteira dos –ismos? O que se pode dizer de termos como neoliberalismo, neoconservadorismo, pós-keynesianismo, pós-americanismo, por exemplo?
- Muitos –ismos são claramente efêmeros, basta lembrar o “queremismo” ou o “getulismo”, e esvaecem-se com o declínio das personalidades a que se referem. Além disso, os grandes líderes na cena mundial hoje são muitos e os –ismos que criam tendem a sumir com a rapidez de um cometa: tenho sérias dúvidas que o “berlusconismo” dure o suficiente para que meu filho lembre o que foi quando chegar à adolescência.
- Lidar com os –ismos numa sociedade de complexidade é lidar com escolhas ou com fluxos de conhecimento? Iremos paulatinamente eliminar da língua os termos que caem em desuso ou iremos aprender a administrar um número cada vez maior de termos e criar dicionários sempre mais volumosos?
- Para que servem todos os –ismos? Admito que alguns realmente agregam valor à língua, mas muitos não serão expressão da vaidade intelectual de um pequeno grupo que tenta marcar a sua influência ou o poder do seu líder?
Suponho que os bons dicionários irão conservar com zelo todos os –ismos que passaram pela história da língua, mas na prática a gente sabe que quem manda é o dono, é o povo. É viver para ver quantos –ismos irão virar piada ou cair para sempre no esquecimento.

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