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SUFIXO, SUFIXO MEU

Existe algum no mundo melhor do que –EIRO?

Há quem goste de –ISTA e quem prefira –MENTE. Eu não nutro grande simpatia por nenhum dos dois. Implico com –ISTA por sua fama especializada, que tende a ver tudo por uma parte, é uma metoníma desajeitada. –MENTE, ao contrário, parece arroz de festa: exagera e é preciso apelar para o rigor normativo a fim de salvar o estilo, eliminar o eco e poupar os nossos ouvidos. Admitidas as antipatias, confesso que perdoo todos os –INHOS, nossa marca registrada: estão aí prontos para enternecer, ironizar, enfatizar e o que mais se quiser. –INHO é pau pra toda obra. Gosto também de –DOR, mas o meu preferido é –EIRO: é um daqueles sufixos sempre dispostos a agregar-se, dando função a atividades práticas, aplicadas, àquelas que deveriam ser melhores (mas a gente faz o que pode!) e àquelas das quais seria melhor não falar, mas comentamos com um toque de galhardia. Vai do padeiro ao porteiro, do engenheiro ao enfermeiro, do arruaceiro ao bagunceiro, do micreiro ao marqueteiro, do blogueiro ao tuiteiro. Se indica profissões sedimentadas na experiência prática como açougueiro, carteiro, bombeiro, joga com a ambiguidade em termos como fuxiqueiro ou interesseiro. Em “farofeiro” assume sua vocação metonímica, designando uma categoria que vai além do consumidor de farofa: indica um estilo de curtir o fim de semana na praia.
Considero genial a capacidade dos falantes de língua portuguesa de transformar um termo prático em uma essência velada, que deixa ver enquanto esconde o sentido completo das palavras. E que para bom entendedor baste meia palavra! Para os recém-iniciados, portanto, fica o alerta: cuidado com os –EIROS e boa sorte com os –EIROS! O dicionário oferece uma lista com mais de um milhar de palavras, há termos para todos os gostos.
Para os curiosos, os meus –EIROS preferidos:
Padroeiro – em várias línguas é “patron” ou “patrono”, com pequenas variações. Em português esse –EIRO soa como um ser capaz de materializar um pedido, realizar um milagre. O santo padroeiro das professoras, dos estudantes, dos namorados, dos pobres, quantas súplicas são dirigidas a Santo Antônio, um dos mais populares no Brasil?
Carniceiro – além de indicar uma pessoa cruel, também era (é?) usado para designar os médicos que adoram operar. Nas minhas bandas também chamados “açougueiros”. Aliás, a palavra “açougueiro” , vem do árabe “as-suq”. “Suq” em árabe é simplesmente o mercado público. É uma dessas palavras que fazem a imaginação tomar asas.
Arteiro – é uma palavra lindinha: criança que faz travessura, faz de uma certa forma “arte”. Arte provocatória: quanta arte feita por adultos não contém um germe pueril? Quantos artistas são também arteiros na alma?
Sorveteiro – dessa eu gosto por romatismo, por amar aquilo que quase não existe mais. Quando era criança, sorveteiro era uma pessoa aguardada por oito meses, no mínimo! Quando finalmente passava tocando a sua corneta tímida, sol a pique, carrinho hermético, picolé e sorvete geladinho, era a estrela da rua. Nunca soube o que fazia durante os meses de frio. Mas tenho certeza, hoje, que não levava uma vida fácil, numa terra com quatro meses de tempo favorável, numa época em que sorvete só se comia no verão, e feijoada só no inverno. Sabe-se lá o que fazia nos outros oito meses, sabe-se lá. O sorveteiro é um sobrevivente. Talvez nem exista mais.

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