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LÍNGUA COM PRAZO DE VALIDADE


A história começa com os exames de língua estrangeira: há várias instituições que fornecem certificados com prazo de validade estabelecido. Em alguns casos, depois de dois anos a pessoa precisa submeter-se novamente a teste para mostrar o que sabe. Por trás da revalidação periódica das provas provalvemente subjaz a ideia de que a competência em um idioma é uma situação sujeita a avanços e retrocessos. De fato, a língua é dinâmica e os falantes estão sujeitos a isso, de modo que um conhecimento adquirido não pode ser considerado um fenômeno estanque no tempo.
E em relação à língua materna? Essa preocupação emerge por meio dos estudos sobre o analfabetismo funcional. O que é isso? É o inexistente ou parco conhecimento da língua escrita (o que se traduz em quatro anos de instrução formal ou menos, sem contar a possível perda gradual de familiaridade com a língua depois da interrupção dos estudos, o que coloca o nosso analfabetismo na estratosférica faixa de 75% da população adulta). Para dar um parâmetro de comparação, nos países industrializados o analfabetismo funcional pode atingir 10% da população, atingindo em alguns casos de 20% a 30% dos adultos (Estados Unidos e Itália, por exemplo).
Números como esses deveriam causar revolta, barricadas nas ruas, uma onda de caça às bruxas, mas são gestos inúteis. Não precisamos de tragédias nem de comoção de massa. Serve uma análise séria do problema e um ataque frontal que leve a uma solução. Nesse sentido, não resta dúvida que os programas de educação para jovens e adultos são uma resposta, embora tenha a impressão de que esses programas são percebidos pela população como uma tábua de salvação, um recurso para não perder o último bonde capaz de dar às pessoas uma oportunidade na sociedade pós-industrial e de informação em que vivemos.
Contudo, é preciso um pouco mais: um programa que sensibilize e abranja a faixa dos que não se desesperam por estarem mergulhados na ilusão ou na acomodação. Para os que acham que conhecem a língua, mas tropeçam na hora da negociação, na entrevista de trabalho, na apresentação do projeto, na entrega do relatório, na melhoria da carreira. Para esses o remédio é convencer-se da necessidade de uma formação contínua, capaz de dar conta das transformações e demandas que desafiam o falante.
Não falo, portanto, do ensino fundamental, do sacrifício dos professores, da necessidade de uma escola democrática que dê a todos oportunidades independentemente da família de proveniência e que não exiga dos pais um papel substitutivo na educação formal. Nessa área, vamos como podemos, e não ousaria jamais pensar que depois de tantas renúncias, possa-se dizer que algum professor não faz o que está ao seu alcance. É que o que está ao alcance dos professores não basta para as necessidades de hoje.
Falo, portanto, aos grandinhos, que já pegaram um canudo: percam todas as ilusões. A escola não acaba na formatura. A pior e mais competitiva escola está por vir e frequenta-se diariamente na vida. As provas mais difíceis não são por certo as do vestibular, nem os vários provões. A prova dos nove é feita sem aviso prévio e sem tempo para pensar: errou, quebrou a cara. Dia de avaliação é agora e todo dia.
Foi pensando nessas consequências dramáticas que revi todo o meu conceito sobre a importância da avaliação na escola. E passei de uma posição radical contra provas e testes a uma defesa da monitoração periódica como exercício de crítica e autocrítica, de participação e comprometimento do estudante para com o seu progresso, responsabilizando-o também pelos avanços ou pela estagnação que sofrer ao longo do processo.
Pensar na aquisição da língua como um processo contínuo e pensar na avaliação como um elemento de controle do processo significa remover mitos do horizonte. Negar que o conhecimento atestado por um diploma é absoluto e que a avaliação é uma punição é uma tarefinha difícil. É um trabalho para hércules.

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