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ABRAM ALAS AO PAI DOS BURROS

Digo com certa vaidade: leio dicionário todo santo dia. Mas haverá quem leia isso sem surpresa: tinha um colega de universidade que fazia o mesmo, no intervalo das aulas.
Uma das últimas consultas refere-se à palavra “força”: três colunas do Aurelião para esta simples palavrinha. O hábito ensinou-me a não me surpreender com tais resultados, pois são justamente os vocábulos sedimentados na história da língua a oferecer mais possibilidades de significados, que se agregam e se estratificam ao longo dos séculos.
Palavras novas em geral ocupam poucas linhas, somente as necessárias para explicar a sua estreia na língua e o uso específico, quando é preciso acolher um vocábulo para dar conta de novos fenômenos da realidade.
Mania estranha essa de ler dicionário. Nos meus tempos de estudante, a professora (a professora!) chamava o dicionário de “pai dos burros”. Uma pedra no caminho de retinas que nem tiveram tempo de ficar cansadas e já estão impedidas de saciar com gosto a curiosidade de quem começa a fazer os primeiros ensaios na passarela oficial da comunicação. Quem queria passar por burro? O dicionário nunca aparecia na aula, para não causar vexame ao dono.
Por sorte, a minha curiosidade levou a melhor. Eu que não me conformava com aquela distância entre o português dos trechos escolhidos com primor para os livros didáticos e a língua usada pela minha avó – língua arcaica e híbrida – precisava encontrar respostas. Que o Aurélio com generosidade oferecia.
Abram alas ao pai dos burros. Salve Aurélio, salve Luft, salve Houaiss. E salve otílias, otávios, angelinas e quem mais permite que a cada dia a língua se transforme em uma fantástica máquina do tempo.

Comentários

  1. Muito interessante...e real...adorei! E não é que viajamos no tempo mesmo?Um beijo Gislaine!

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  2. A.D. Uns 10.000 anos a.C. quem sabe?

    Lugar: O Paraíso
    Personagens: Jemiel (anjo); Achaiah (outro anjo)

    -Ola Jemiel!
    -Oppa! Achaiah...quanto tempo!
    -Éons
    -Verdade...e como vão as coisas?
    -Bom, mais o meno...nao é que tem muito que fazer, digamos, entre um louvor e o outro...
    -É...cé ouviu a novidade?
    -Que novidade?
    -O que aconteceu lá na Terra - perto de Babîlonia se não me engano, em Babel – e o que fez a respeito o Chefe?
    -Não, não ouvi nada!
    -Pessoal lá, ia construindo sei lá que torre pra fazer algo, assim, tanto pra fazer. Diziam que era pra se sentir mais unidos, pra não se desperder...e essa torre crescia, crescia.
    -E daí?
    -O Chefe não gostou.
    -Ah não? Por que?
    -Cé sabe...Ele anda muito irritável ultimamente.
    -Ultimamente não, faz um tempão que Ele é assim. Tudo começou com aquele Adão...aquela loucura que...bom, melhor ficar calados.
    -Melhor sim Jemiel. Mas ouve: Ele se irritou por que essa torre estava crescendo tanto que poderia ter alcançado o céu. Ele teve medo...
    -Cuidado Achaiah, Deus não pode ter medo de nada...
    -Tá bem, tem razão. Mas, de qualquer maneira Ele se sentiu meio constrangido, sabe...
    -Cuidado...
    -Pó Jemiel! Deixa eu falar, pó...
    -Fala, fala. Mas fala mais baixo.
    -Ele teve medo que os homens pudessem chegar à sua altura, e aí...você não pode imaginar o que Ele foi capaz de fazer, e antes de fazer, de conceber na sua cabeza.
    -Posso, posso.
    -Ele fez com que os coitados dos homens não pudessem mais se entender uns com os outros. Intendeu? A língua que foi inventada pelo Adão, se lembra, que deu os nomes a todas as coisas segundo a sua própria ideia, acabou, pronto. De uma língua só, Ele fez centenas. Pode imaginar?
    -Iiih cacete, que droga! Coitados dos homens...e a torre?
    -A torre acabou tambem, claro. Como você pensa que seja possível construir uma obra daquele tamanho sem se intender. Imagina!
    -Aaah...tá certo, claro...Meu Deus! Que imaginação fértil que Ele tem quando é pra castigar, não é?
    Mas, veja bem Achaiah, pensando mais um pouco...será que é um castigo mesmo? Quer dizer, pra Ele é um castigo, tá certo, mas para os homens? Talvez isso poderia virar uma fortuna.
    -Como assim?
    -Uma fortuna, sim. Quer dizer, variedade, diversidade, culturas diferentes, hábitos inusuais; outras historias, varias civilizaçoes...quer dizer....
    -Intendo, sim. É, pode ser.
    -Novas oportunidades de trabalho...
    -Trabalho? O que é isso?
    -Trabalho dos homens, Achaiah. Aquele outro castigo que lhes deu bem no início.
    -Deus me livre! Intendi, sim. Mas em quais trabalhos você está pensando?
    -Não sei, tradutor, por exemplo. Melhor que louvar todo dia, todos os dias, pela eternidade...
    -Cuidado Jemiel, cuidado...

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