A falta de responsabilidade jornalística e,
digamos, também as piores intenções pseudojornalísticas são fatores
determinantes para a disseminação de notícias falsas. Essa péssima
prática usa um dos mais caros instrumentos da criação literária: a
verossimilhança. Não pode haver falsa notícia se ela não tiver aparência
de notícia confiável. Nem digo verdadeira, porque este seria outro
campo espinhoso, mas pelo menos digna de credibilidade. Uma notícia
confiável, por exemplo, pode ser sectária, apresentar um ponto de vista
claro; não por isso será, necessariamente, falsa. O mais correto seria
falar de informação parcial.
A notícia falsa é produzida como a falsificação de um quadro ou, melhor seria a comparação, a publicação de um falso manuscrito literário. Jorge Luis Borges já tinha previsto tudo naquele conto genial que é Pierre Menard, autor do Quixote. A literatura pós-moderna também brincou bastante com isso. Lembro, por exemplo, do romance Em Liberdade, de Silviano Santiago, sobre o diário que Graciliano Ramos teria escrito ao sair da prisão. É tudo literário, pois o que é verossimilhante se transforma em arte e o autor não esconde as suas intenções: o pacto com o leitor é claro. É um acordo: o escritor declara que vai contar uma mentira e faz isso tão sinceramente que o leitor chega a esquecer que está lendo uma ficção. Na verdade, não esquece completamente, mesmo quando não consegue largar o livro, sendo capturado, absorvido pela leitura. Contudo, basta fechar o volume e ver o nome do autor na capa: não, não é a verdade, a literatura é uma deliciosa invenção.
Quem produz notícias falsas conhece bem todos esses instrumentos. Sabe imitar o estilo e usar os recursos expressivos de todas as pessoas mencionadas no fato construído. Elabora um enredo coerente, que pareça confiável. As piores notícias falsas usam as técnicas literárias também para criar identificação com o leitor: apresenta o que ele quer ler, como um pescador oferece a isca para capturar os seus peixes.
Que tristeza constatar tudo isso. Que profundo vazio deve sentir o jornalista engajado nessa tarefa ingrata e medíocre! Além de não serem notícias, as fake news não são paródia e nem mesmo a imitação em busca da glória artística usando a fama alheia. Ao final de uma notícia falsa, o jornalista fica como um foragido, à espera da captura e da desmoralização profissional.
Uma notícia falsa, mesmo quando apresentada como opinião, é antiética. Saibam, essa consideração não tem caráter moralista ou censório, ao contrário, explicita o perigoso terreno da defesa do direito à livre expressão, pois se ignoramos o peso de ética que regula as relações sociais, acabamos por defender a barbárie em nome de uma libertinagem intelectual. Somos catapultados no mais rasteiro sofisma.
A literatura é uma arte nobre, que lida com a linguagem escolhendo os melhores recursos, na melhor organização, para obter o melhor efeito expressivo. Usar o conhecimento que temos da literatura para falsificar e iludir é transformar a literatura em cobaia de interesses espúrios. Sei que não é crime previsto pelo código penal, mas deveria ser. Porque proteger a literatura é proteger a cultura, é conservar o que temos de melhor na matéria escrita. Literatura é testemunho, é patrimônio. Não deveríamos ser autorizados a manipular impunemente a sua essência.
A notícia falsa é produzida como a falsificação de um quadro ou, melhor seria a comparação, a publicação de um falso manuscrito literário. Jorge Luis Borges já tinha previsto tudo naquele conto genial que é Pierre Menard, autor do Quixote. A literatura pós-moderna também brincou bastante com isso. Lembro, por exemplo, do romance Em Liberdade, de Silviano Santiago, sobre o diário que Graciliano Ramos teria escrito ao sair da prisão. É tudo literário, pois o que é verossimilhante se transforma em arte e o autor não esconde as suas intenções: o pacto com o leitor é claro. É um acordo: o escritor declara que vai contar uma mentira e faz isso tão sinceramente que o leitor chega a esquecer que está lendo uma ficção. Na verdade, não esquece completamente, mesmo quando não consegue largar o livro, sendo capturado, absorvido pela leitura. Contudo, basta fechar o volume e ver o nome do autor na capa: não, não é a verdade, a literatura é uma deliciosa invenção.
Quem produz notícias falsas conhece bem todos esses instrumentos. Sabe imitar o estilo e usar os recursos expressivos de todas as pessoas mencionadas no fato construído. Elabora um enredo coerente, que pareça confiável. As piores notícias falsas usam as técnicas literárias também para criar identificação com o leitor: apresenta o que ele quer ler, como um pescador oferece a isca para capturar os seus peixes.
Que tristeza constatar tudo isso. Que profundo vazio deve sentir o jornalista engajado nessa tarefa ingrata e medíocre! Além de não serem notícias, as fake news não são paródia e nem mesmo a imitação em busca da glória artística usando a fama alheia. Ao final de uma notícia falsa, o jornalista fica como um foragido, à espera da captura e da desmoralização profissional.
Uma notícia falsa, mesmo quando apresentada como opinião, é antiética. Saibam, essa consideração não tem caráter moralista ou censório, ao contrário, explicita o perigoso terreno da defesa do direito à livre expressão, pois se ignoramos o peso de ética que regula as relações sociais, acabamos por defender a barbárie em nome de uma libertinagem intelectual. Somos catapultados no mais rasteiro sofisma.
A literatura é uma arte nobre, que lida com a linguagem escolhendo os melhores recursos, na melhor organização, para obter o melhor efeito expressivo. Usar o conhecimento que temos da literatura para falsificar e iludir é transformar a literatura em cobaia de interesses espúrios. Sei que não é crime previsto pelo código penal, mas deveria ser. Porque proteger a literatura é proteger a cultura, é conservar o que temos de melhor na matéria escrita. Literatura é testemunho, é patrimônio. Não deveríamos ser autorizados a manipular impunemente a sua essência.
Comentários
Postar um comentário