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DEU NA TV

Esses dias o meu filho me perguntou se eu tinha certeza de que as vacinas não fazem mal para a saúde.
Respondi como uma pessoa que conhece o método científico: no momento atual, as vacinas são a melhor proteção para evitar as doenças contra as quais elas agem.
Ele replicou, como fazem muitas pessoas que desconhecem os métodos da ciência, acham que a ciência possui interesses econômicos, colocam as explicações científicas em nível de opinião, ou pior, são movidas apenas por um complotismo alimentado por teorias de conspiração. Ele argumentou: quem disse que as pessoas que desconfiam das vacinas não estão certas?

Para responder a essa pergunta é preciso explicar que a ciência não é o campo da verdade. É o campo das hipóteses e dos testes das hipóteses. Se algum dia as "teorias alternativas" (coloco entre aspas porque ditas teorias carecem de elementos que demonstrem materialmente o que afirmam) passarem pelo teste da verificabilidade e da repetibilidade, então poderemos afirmar que os eventuais efeitos danosos das vacinas não são uma impressão ou no máximo casos isolados, cuja relação de causa-efeito pode ser buscada alhures.

Portanto, não sei se as vacinas são infalíveis ou se possuem algum efeito coleteral, mas até agora relevaram-se a resposta mais eficaz, milhares de vezes demonstrad,a para evitar doenças perigosas e às vezes mortais.

O problema é outro, porém, para a mãe professora de línguas: como é possível que o meu filho já esteja contagiado pelo vírus da desconfiança? Em que ponto errei no método?


Lembrei da minha infância cheia de perguntas e impertinências e de uma tia que tinha certeza de tudo. Em caso de controvérsias, ela não tinha alguma dúvida e declarava: deu na TV. A expressão "deu na TV" transformou-se dentro de mim em uma aversão semelhante àquela que as pessoas sentem em relação a uma religião. A TV, para a minha tia, era oráculo, bíblia, enciclopédia, dicionário, mas, especialmente, era incontestável. Certa vez arrisquei: "a TV não fala, quem disse isso?" Foi um terremoto familiar. Realmente, ela, e outros familiares, não se importavam minimamente sobre quem fosse o locutor ou, mais importante ainda, o autor das informações. Deu na TV e pronto. Talvez por espírito de contraposição, desenvolvi uma secreta crença no método. Não importa apenas o que a gente pensa, mas é fundamental o percurso lógico que seguimos para chegar a uma conclusão. A minha religiosidade ficou tão evidente que, quando me tornei professora, os meus colegas me cumprimentavam com a pergunta: "bom dia, qual é o método hoje?"

De todo modo, para dar outro exemplo marcante da minha vida fora dos livros e ilustrativo para o caso, cabe lembrar que meu pai adorava viajar. Ele enfatizava: a viagem não começa quando chegamos ao destino, vamos devagar, pois o percurso para chegar onde queremos é parte da aventura.

Com as nossas posições a respeito dos mais variados temas acontece algo semelhante: o percurso mental adotado, as fontes consultadas, a verificação, tudo isso contribui para o resultado, para a conclusão.

O novo mantra é: "li na rede". A expressão é a senha para desconfiar que a declaração do nosso interlocutor é uma "fake news" ou notícia falsa. Não basta ler, não basta estar escrito para ser verdade. Não basta nem mesmo estar publicado em um jornal ou "dar na TV". Como eu dizia à minha tia: "quem deu na TV? Como se chama o locutor? De onde ele tirou a notícia? Ele ouviu as duas partes? A fonte é direta? Ele está exprimindo uma opinião? Ele está contando todos os fatos ou selecionou uma parte?"

É mentira. Eu não fazia todas essas perguntas à minha tia. Mas estudei, descobri como pensar o que penso e virei professora. Bem, agora já posso dar pelo menos uma resposta ao meu filho. E aos meus alunos. Quando não tenho respostas, digo: façam mais algumas perguntas. É melhor uma pergunta a mais do que uma certeza ilusória.

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