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SINAL VERMELHO: NÃO BUZINE

Dezenas de romanos foram multados na semana passada porque uma sinaleira travou no sinal vermelho e os motoristas buzinaram para sinalizar que precisavam atravessar o cruzamento. Formou-se uma fila gigantesca, os carros ficaram emaranhados, os guardas municipais ficaram perdidos e o sinal não abriu.
Diante da indignação dos motoristas, a autoridade local fez valer a sua voz e saiu largando multa para cada automóvel que buzinava. Muitos protestaram, dizendo que foram punidos em lugar de outros: os guardas podem ter autoridade, mas nem sempre têm ouvido (ou capacidade de interpretação dos signos).
Para ser honesta, casos como esses são raros em Roma. Em geral, a autoridade é mais prudente: na dúvida, deixa passar. O pessoal estaciona em fila dupla: quando os guardas municipais se aproximam, começam a tocar apito para que os motoristas retirem os carros do local proibido e escapem da infração. Uma chance não se nega a nenhum cristão.
Mas os tempos estão mudando: os cidadãos estão organizados em diversos movimentos, com diferentes propósitos, e quase todos alimentam a insatisfação, dando espaço a pautas justiceiras, a promessas vingativas, ao populismo do mais baixo calão. Os membros das instituições não estão imunes ao clima. Eles também querem mostrar com quantos paus se faz uma canoa, ou com quanto rigor um comandante deve voltar para o barco que afunda. De fato, um militar da capitania dos portos da Toscana, que chamou ao dever o comandante do navio que naufragou anos atrás perto da Ilha Giglio, agora é candidato com um partido da área populista. Sabe-se lá se será implacável com seus colegas políticos como foi no caso do naufrágio.
Sobre isso, alimento uma dúvida melancólica, machadiana. Como no caso de Rita, também acho que acontece muita coisa no meio do caminho e não há estrela que possa indicar com certeza o epílogo. No máximo pode dar a direção, mas a trilha sempre é traçada pelos nossos pés. Chega um ponto em que o pé torto se acomoda ao chinelo cômodo e, como no caso da Cartomante: "adeus escrúpulos!"
Existem dois modos para se despedir do rigor: um é com a insolência, o outro é com o justicialismo. Um modo é relevar, o outro é não deixar passar nada. Um modo despreza a lei, o outro coloca a lei acima da justiça.
E o buzinaço? Bem, pobres romanos. O que é uma buzina? A metáfora da reclamação? Certamente não é a forma figurada do soco. Mas a multa é uma punhalada. Um golpe que vai além do bolso. É uma traição à cultura da complacência, da paciência, do deixar passar, quando afinal de contas, o caso não é grave. E não era grave: era apenas uma sinaleira, mais uma, emperrada, atrapalhando o trânsito complicado de todos os dias. Deixem o povo buzinar!


Para pensar na língua portuguesa:
- Sinais acústicos são signos e possuem sentido: buzinar é uma forma para chamar a atenção, para indicar perigo, no caso, para indicar aos automobilistas que vêm de outra direção que alguém está passando, ou tentando passar, em um espaço que pode estar sendo ocupado por outro.
- A punição a uma violação deve ser proporcional: no caso relatado, a buzina efetivamente se justificava, visto que o sinal estava com defeito e as pessoas que ficaram paralisadas devido ao problema precisavam realmente atravessar o cruzamento. Portanto, a multa não parece ter sido aplicada com o critério esperado. Em síntese, as buzinas foram usadas com o objetivo previsto, não houve abuso que justificasse a multa.
- Os cidadãos têm todo o direito de organizarem-se, e o que estamos acompanhando nos últimos anos é a substituição, na democracia representativa, por membros da democracia direta. O problema é que institucionalmente, o sistema no qual vivemos ainda é o da democracia representativa. Cada vez que um representante da sociedade civil organizada entra no sistema político, está apenas formalmente contestando o sistema. Na prática, está evidenciando a crise do próprio sistema, cujos membros perdem cada vez mais a credibilidade. Do ponto de vista do discurso, o que nos interessa é perceber que a presença de "simples cidadãos" em listas eleitorais não dá nenhuma garantia de mudança no sistema representativo. Em geral, candidatos vindos de experiências de cidadania ativa acabam por ter seus discursos deslegitimados pela inércia do próprio sistema, que os impede de pôr em prática o que pretendiam.
- A cultura popular em geral tem a capacidade de armazenar antigas sabedorias, entre as quais a complacência, como citei acima, ou resiliência, para usar um termo atual. Em especial, os romanos são mestres nessa arte. Somente um povo acostumado a ondas migratórias que caracterizaram toda a sua história pode absorver as diferenças, por vezes vistas como desregramento, e transformar tais diferenças em vetor de flexibilidade.

Quando queremos observar um fenômeno sob o ponto de vista do efeito comunicativo, do sentido que possui, da sua história e das suas relações com a vida real, todo fato pode nos inspirar. Por exemplo, um sinal vermelho pode dizer muito mais do que imaginamos, não é?

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