Parece língua do "pê", mas se trata de estratégia comunicativa. O fato chamou a atenção dos jornais italianos: um partido, surgido da irritação dos eleitores em relação às políticas do governo, organizava comícios usando como chamada o mais conhecido e utilizado palavrão em língua italiana. Para simplificar e tornar digerível às camadas amplas da população, sem ferir a suscetibilidade de ninguém, os encontros passaram a ser denominados V-Day.
Com o tempo, o partido cresceu, elegeu-se e governa. Os militantes e também as lideranças do partido continuaram a utilizar insultos como forma de ataque aos partidos e aos políticos adversários. Era a técnica para surfar na onda da insatisfação da população, que deu alguns resultados.
Agora que o partido está entre os maiores da Itália, os dirigentes decidiram que os palavrões não podem mais ser utilizados. E os pré-candidatos, que por muito tempo usaram a técnica, foram excluídos das listas para a escolha interna dos candidatos às próximas eleições.
O partido entrou na fase do debate e procura abandonar a etiqueta de grupo especializado em reclamação.
***
Por outro lado, os jornais italianos lançaram um alarme: há pós-verdade demais em circulação. Os leitores colocam no mesmo patamar notícias, opiniões e mentiras de fato, que servem para influenciar as decisões dos eleitores. As redes sociais eliminaram os filtros e os leitores não fazem distinção entre verdade e pós-verdade, conceito insistentemente repetido a fim de que pareça uma verdade.
Os jornais foram além: alertam que as eleições italianas podem estar sujeitas ao ataque de perfis especializados em espalhar falsas notícias para influenciarem o resultado das eleições.
***
Lembro de um dos primeiros V-Day em Roma (ou talvez o primeiro). Estava na redação da revista para a qual trabalhava e recebi o telefonema de um amigo, insatisfeito como tantos com os rumos da política, para participar do encontro. Eu também estava insatisfeita, mas respondi que a minha educação não me permitia agregar-me a um grupo que baseava o seu programa em um palavrão.
Não me arrependo da minha decisão. Não acredito que um palavrão possa resolver um problema. No máximo, pode ser um aviso, um sintoma de desagrado. Não pode ser plataforma.
Mas o palavrão é direto, é imediato, não deixa dúvidas. Podemos concordar, discordar, aceitar ou não. Não podemos achar que é aquilo que não é. A pós-verdade, nesse sentido, é muito mais perigosa, pois cria descrédito, alimenta a dúvida com o objetivo de manipular as opiniões, questiona o método científico, desafia a epistemologia sem propor método alternativo algum de interpretação dos fenômenos. A sua estratégia está no uso da retórica vazia, na pergunta em lugar da resposta, no isentar-se de responsabilidade e colocar-se na posição de delator de tudo o que parece não estar certo. Quem propaga a pós-verdade tem todo interesse em evitar qualquer estrutura lógica; prefere a associação de ideias em vez de apresentar as variáveis do problema, a comparação no lugar da demonstração da tese, o convencimento em lugar da conclusão.
Recentemente falei sobre o problema da pós-verdade na minha coluna no Correio Riograndense. Para identificá-la, um instrumento é verificar se, sendo teoricamente um texto denotativo, usa estruturas típicas da linguagem conotativa. Um texto que se apresenta como jornalístico e contém metáforas, comparações, estrutura a argumentação por meio de livres associações, prescinde da apresentação das várias perspectivas sobre o fenômeno a fim de dar ao leitor a possibilidade de tirar as suas próprias conclusões, em síntese, um texto com elementos semânticos e sintáticos que o fazem parecer um texto literário brinca perigosamente com a pós-verdade. Na realidade, não é tão difícil assim defender-se da pós-verdade: ler textos literários, conhecer as figuras de linguagem e a estrutura do texto dissertativo oferecem todos os instrumentos de que o leitor precisa para não se deixar enganar. Resta saber se todo o conhecimento à disposição do leitor é valorizado e utilizado para o seu próprio conhecimento, para não ser manipulado por pessoas e grupos sem escrúpulos.
Comentários
Postar um comentário