A crítica está em crise. Problema? Não. O problema é a crítica não estar em crise. Crise é um momento importante, de mudança de uma situação, é uma ação que estabelece a decisão. Crise é um termo usado em medicina e em economia. Na linguagem cotidiana é usado como se fosse sinônimo de problema, mas não é. A crise é o momento da definição da solução, boa ou má que seja.
De todo modo, a crise da crítica é também um problema. A crise cotidiana da crítica é ser confundida com opinião e não ter instrumentos suficientemente prosaicos para rebater opiniões reles. A boa crítica vale-se de linguagem própria, de instrumentos adequados, que os especialistas conhecem e nos quais os não especialistas deveriam confiar mais.
É como quando a gente vai ao médico: se não quer aceitar o conselho profissional, pode acreditar no palpite. Mas não venham dizer que os dois pareceres têm o mesmo valor!
Por exemplo, quando um crítico diz: "isto é um museu" ou "isto não é um museu, é um presídio", geralmente o crítico sabe muito bem do que está falando e fundamenta com argumentos e dados a sua descrição. Críticos valem-se de elementos históricos, culturais, filosóficos, estéticos, científicos e outros conhecimentos necessários para circunscrever de forma definida o seu objeto. Isso deveria ser óbvio para qualquer pessoa com um nível mínimo de educação formal, mas ultimamente esse pressuposto não está valendo: a opinião de desinformados e mal-intencionados está levando a melhor sobre a razão.
Outro problema sério que a crítica tem enfrentado é a distinção entre realidade e ficção. Qualquer pessoa é livre para dizer que a realidade tem imitado ou até superado a imaginação artística, mas deve saber que quando diz uma frase como esta está usando uma figura de linguagem: a metáfora. Se a pessoa afirma isso acreditando no que diz, facilmente será capaz de dizer que aquilo que acontece dentro de um museu é realidade. Não é. O museu conserva obras de arte e dá espaço a manifestações artísticas, não à realidade.
Anos atrás, o grupo teatral La fura dels Baus, de Barcelona, foi duramente criticado por suas encenações, nas quais a violência era representada no limite da realidade. Quer dizer, era tão chocante para o público que parecia real. Entretanto, o objetivo estético do grupo era justamente questionar a fronteira entre o palco e a plateia. O objetivo era causar uma reação do público.
As palavras no parágrafo anterior são importantes: quando digo que o grupo teatral queria provocar o público não estou dizendo que as pessoas não estavam sentindo a reação, digo que as pessoas sentadas na plateia sentiam um sentimento real diante de uma representação ficcional, não real, ou seja, eram espectadoras e não vítimas da violência representada.
Um menino em uma prisão é vítima de uma violência real. Se não foi da violência que poderia ter acontecido, foi da violência que de fato ocorreu quando o deixaram em um local inadequado e proibido para crianças.
A crítica avalia uma obra ou manifestação artística levando em conta a construção da personagem, o tempo e o espaço representados, a linguagem empregada, os materiais usados e a imagem de mundo projetada pela obra. Também se vale da comparação com outras obras e com o conhecimento acumulado ao longo do tempo, além de avaliar se o objeto de estudo representa ou não uma ruptura em relação aos cânones ou aos modelos da sua e de outras épocas.
A opinião não precisa se preocupar com nada disso. É só ter acesso a uma rede social e partir para o grito. Quase sempre o tempo gasto na opinião está incluído no preço da assinatura do telefone e é ilimitado. Diante de argumentações, os donos de opinião própria reivindicam a liberdade de expressão, como se tal liberdade não pressupusesse reciprocidade - e não falo de reciprocidade apenas em termos formais, mas conceituais. Quando o argumento do dono da opinião acaba, ele grita, agride, insulta. Ou então encerra o assunto, rebatendo com o único argumento que lhe resta: "bem, essa é a sua opinião, esta é a minha". Não, donos de opinião, a sua pode ser uma opinião, mas aquilo que palpiteiros liquidam com uma frase como "ok, é a sua opinião", muitas vezes é crítica. A crítica não rebate o seu grito com outro grito.
Enquanto isso, enquanto essa avalanche de palpiteiros ocupa a rede, o crítico não pode perder de vista o seu problema objetivo: analisar as manifestações artísticas, compreender a sua essência, indicar possíveis leituras, estimular a reflexão.
É, a crítica está em crise. E a vida do crítico também não anda fácil.
De todo modo, a crise da crítica é também um problema. A crise cotidiana da crítica é ser confundida com opinião e não ter instrumentos suficientemente prosaicos para rebater opiniões reles. A boa crítica vale-se de linguagem própria, de instrumentos adequados, que os especialistas conhecem e nos quais os não especialistas deveriam confiar mais.
É como quando a gente vai ao médico: se não quer aceitar o conselho profissional, pode acreditar no palpite. Mas não venham dizer que os dois pareceres têm o mesmo valor!
Por exemplo, quando um crítico diz: "isto é um museu" ou "isto não é um museu, é um presídio", geralmente o crítico sabe muito bem do que está falando e fundamenta com argumentos e dados a sua descrição. Críticos valem-se de elementos históricos, culturais, filosóficos, estéticos, científicos e outros conhecimentos necessários para circunscrever de forma definida o seu objeto. Isso deveria ser óbvio para qualquer pessoa com um nível mínimo de educação formal, mas ultimamente esse pressuposto não está valendo: a opinião de desinformados e mal-intencionados está levando a melhor sobre a razão.
Outro problema sério que a crítica tem enfrentado é a distinção entre realidade e ficção. Qualquer pessoa é livre para dizer que a realidade tem imitado ou até superado a imaginação artística, mas deve saber que quando diz uma frase como esta está usando uma figura de linguagem: a metáfora. Se a pessoa afirma isso acreditando no que diz, facilmente será capaz de dizer que aquilo que acontece dentro de um museu é realidade. Não é. O museu conserva obras de arte e dá espaço a manifestações artísticas, não à realidade.
Anos atrás, o grupo teatral La fura dels Baus, de Barcelona, foi duramente criticado por suas encenações, nas quais a violência era representada no limite da realidade. Quer dizer, era tão chocante para o público que parecia real. Entretanto, o objetivo estético do grupo era justamente questionar a fronteira entre o palco e a plateia. O objetivo era causar uma reação do público.
As palavras no parágrafo anterior são importantes: quando digo que o grupo teatral queria provocar o público não estou dizendo que as pessoas não estavam sentindo a reação, digo que as pessoas sentadas na plateia sentiam um sentimento real diante de uma representação ficcional, não real, ou seja, eram espectadoras e não vítimas da violência representada.
Um menino em uma prisão é vítima de uma violência real. Se não foi da violência que poderia ter acontecido, foi da violência que de fato ocorreu quando o deixaram em um local inadequado e proibido para crianças.
A crítica avalia uma obra ou manifestação artística levando em conta a construção da personagem, o tempo e o espaço representados, a linguagem empregada, os materiais usados e a imagem de mundo projetada pela obra. Também se vale da comparação com outras obras e com o conhecimento acumulado ao longo do tempo, além de avaliar se o objeto de estudo representa ou não uma ruptura em relação aos cânones ou aos modelos da sua e de outras épocas.
A opinião não precisa se preocupar com nada disso. É só ter acesso a uma rede social e partir para o grito. Quase sempre o tempo gasto na opinião está incluído no preço da assinatura do telefone e é ilimitado. Diante de argumentações, os donos de opinião própria reivindicam a liberdade de expressão, como se tal liberdade não pressupusesse reciprocidade - e não falo de reciprocidade apenas em termos formais, mas conceituais. Quando o argumento do dono da opinião acaba, ele grita, agride, insulta. Ou então encerra o assunto, rebatendo com o único argumento que lhe resta: "bem, essa é a sua opinião, esta é a minha". Não, donos de opinião, a sua pode ser uma opinião, mas aquilo que palpiteiros liquidam com uma frase como "ok, é a sua opinião", muitas vezes é crítica. A crítica não rebate o seu grito com outro grito.
Enquanto isso, enquanto essa avalanche de palpiteiros ocupa a rede, o crítico não pode perder de vista o seu problema objetivo: analisar as manifestações artísticas, compreender a sua essência, indicar possíveis leituras, estimular a reflexão.
É, a crítica está em crise. E a vida do crítico também não anda fácil.
Comentários
Postar um comentário