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A SÍLABA, COITADA

Há elementos da gramática que parecem destinados ao papel da vilão. A sílaba é um deles: não há concurso que se preze que não coloque uma questãozinha sobre uma exceção na divisão silábica. Ah, porque para um belestrista, para os pedantes de plantão, a regra geral da divisão silábica não importa, o que vale é a humilhação de desmascarar os candidatos e fazê-los morrer na praia por causa das exceções.
Não bastasse isso, a tecnologia absorveu completamente a necessidade do revisor na diagramação do texto. A silabação é automática e as "viúvas" (as linhas quebradas isoladas no início de uma página) podem ser eliminadas com um ou dois truques de qualquer editor de texto.
A sílaba vive dias difíceis, de indiferença e de ódio. Estudar para quê?

Como para quê? Para elevar o espírito, ora bolas! Para apropriar-se das palavras e do vocabulário da língua saboreando cada pedacinho, como se fosse um tablete de chocolate finíssimo.

A sílaba faz música na poesia, impõe o ritmo. Os poetas sabem disso. Os rappers também sabem. Quem tem ouvido sabe. Os professores sabem. E, não por acaso, a sílaba é um assunto sério para os especialistas em Fonologia. O problema são os concursos: as provas continuam a ser elaboradas para selecionar pessoas não pelo ouvido afinado, não pelo vocabulário rico, não pela sensibilidade, mas pela regra, pelo gramaticalismo estéril, pela decoreba.

Talvez queiram servidores sem coração, só produtividade e obediência. Quem sabe possam até afirmar: ninguém é pago para dizer bom-dia sorrindo e escandindo a frase no compasso. Pode ser. Também é verdade que ninguém conta as sílabas de um soneto para se emocionar:

"Sonhei que me esperavas. E, sonhando,
Saí, ansioso por te ver: corria..." (Olavo Bilac)

Mas nem por isso é inútil educar a sensibilidade, afinar a percepção, ilustrar. As pessoas sensíveis e bem educadas desenvolvem capacidade de relacionamento social. Em linguagem prosaica, utilitarista, isso significa formar recursos humanos. Quem tem noção do número de sílabas e tem familiaridade com a poesia sabe que um verso decassílabo não é pouca coisa. Falar de amor em dez sílabas é uma viagem que começa na aurora da nossa língua, é uma epopeia, escapa à banalização dos heptassílabos, tipo: "Batatinha quando nasce / Se esparrama pelo chão".

Ah, as sílabas, que preenchem o tempo, que dão sentido ao silêncio... Quando encadeamos uma sílaba após a outra, criando assonâncias, rompendo expectativas, surpreendendo, emocionando, ferindo, ofendendo, pedindo, mandando, expelindo o ar, inspirando, suando... Quando fazemos isso, em cada pedacinho de palavra chamado sílaba há um fragmento de vida.

Por que não falamos um pouco mais disso quando ensinamos que a sílaba é a menor unidade de sentido da língua?


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