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SOU CAPITÃ!

Se o barco do acordo ortográfico está à beira do naufrágio, eis-me aqui com a minha vassoura: sou capitã! E vou ficar agarrada ao mastro, vou ser a última a pular para o mar.

Nem sempre que falo de ortografia lembro de aprofundar a questão da convenção que subjaz essas escolhas. Falei, sem entrar na polêmica, em um dos últimos artigos do blog: leia aqui o artigo.

A minha modesta opinião, de grumete da embarcação, é que os linguistas e os filólogos da nossa língua portuguesa não conseguem chegar a um acordo sobre a questão da reforma ortográfica. Uns, projetados para o futuro de uma língua global e globalizada, de língua franca, usada para trocas comerciais e projetos políticos mundiais; os outros, projetados para o passado e para a tradição, cuidadosos em preservar uma língua que todos os dias corre o risco de morrer com os velhos que se vão e levam consigo histórias, modos de falar, termos antigos que nem sempre são conservados pelo papel.

Entendo a diferença de perspectiva, mas não compreendo o temor dos que afirmam que a perda do "c" em "facto" nos leva a perder a nossa identidade linguística. De facto, citei o artigo anterior justamente para recordar que a língua está constantemente em evolução, e nem por isso esquecemos a etimologia das palavras.

Ou melhor, esquecemos! Esquecemos demais a etimologia: mas isso não é culpa do novo acordo ortográfico, é culpa do nosso currículo escolar e da nossa ignorância crônica!

Se quiséssemos (governativamente falando) dar um novo peso para os laços culturais que unem historicamente os países de língua portuguesa, dedicaríamos parte do programa de língua portuguesa no ensino médio à descoberta da história da língua. E, como arqueólogos amadores, descobriríamos pérolas e diamantes no meio da ganga impura, esse linguajar informal, e apesar de tudo rico, que usam os nossos jovens. É uma pena que isso não aconteça: a história da língua portuguesa é vista muito rapidamente nos cursos de Letras e só com muito interesse pessoal os professores poderiam ter uma formação adequada para compartilhar a paixão com os alunos.

Especialmente, é uma pena constatar que não há interesse governamental nesse salto, porque falantes com domínio amplo da língua tornam-se eleitores exigentes. E infelizmente, apesar da ascensão das esquerdas e do discurso das utopias, resta o sonho desfeito por uma realidade incapaz de transformar a informação em vetor de emancipação. Ainda estamos na fase do pão para os pobres, das políticas que com todo o mérito de atingirem rapidamente a emergência alimentar, não conseguem ir além do estômago. Não conseguem dar alimento adequado para o espírito.

Eu não constato esse triste quadro analisando o que os professores fazem ou tentam fazer nas suas salas de aula mal aparelhadas, com falta de recursos e de material didático, com salários baixos e falta de pessoal. Eu constato isso lendo barbaridades postas no papel por jornalistas de falsa erudição, que vivem de beletrismo reles, feito de dois ou três conceitos que colocam retoricamente em relação para obter maior efeito entre os leitores de jornal. Constato quando leio jornalistas ignorantes que não se dignam a confirmar uma fonte, certos de que os seus leitores também não o farão. Constato quando percebo que entre nós ainda prevalece a lei do caolho em terra de cego.

Vendo todo esse desastre, de certo modo entendo o desespero dos filólogos, acuados como uma espécie em extinção, com o seu mundo de cartas velhas, inscrições no mármore, palavras que atravessam séculos sendo ameaçado. Eles não podem concordar com os linguistas. Não podem deixar a língua perder as suas raízes. E nisso eles têm razão.

Porém, acho que nenhum linguista, por mais defensor que seja do novo acordo, pode discordar sobre o valor da história da língua. Penso que o centro da questão não está reduzido a uma disputa acadêmica.
O ponto são os ministérios. Os ministérios, com seus programas educativos: eles querem fazer a reconciliação entre essas duas faces da língua? Daqui a quanto tempo?

Enquanto isso as ondas sobem, e o barco afunda.

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