Cito o artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil:
"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
Pasmem: o conceito de raça está sendo posto em discussão.
E de onde parte a discussão? Da França. A França que já foi o centro da cultura ocidental e a França que não se rende agora que a cultura ocidental, em plena crise econômica (e não só), dá sinais de cansaço.
O presidente Hollande acaba de dar o pontapé inicial à reforma constitucional, cumprindo uma de suas promessas eleitorais: eliminar da constituição francesa o termo "raça", um termo praticamente banido do uso institucional e também da linguagem coloquial por sua relação histórica com o passado colonial, com a segregação das populações dominadas, com as teorias de supremacia racial do século XIX, chegando até os horrores de Segunda Guerra Mundial. O tema da "culpa europeia" em relação a outras populações do globo tem sido sentido na Europa e de certa forma "cobrado" dentro e fora do continente. Sinal dos tempos e da mudança do equilíbrio de forças entre as várias áreas do planeta.
Claro que a França não faria uma mudança constitucional por pressão internacional. Isso está fora de discussão. Se o presidente Hollande fez uma promessa e agora está tentando colocá-la em prática, isso é fruto de uma transformação da sociedade francesa, composta por novas gerações de filhos de imigrantes, franceses com uma raiz estrangeira, mas franceses. E um grande Estado deve saber acolher todos os seus cidadãos, com toda a riqueza cultural que comportam as suas raízes. Aliás, como fizeram os antigos romanos, levando ao auge o grande império.
Isso tem a ver com a língua? Tem, sempre tem. O que significa "raça", essa palavra que estão evitando como se fosse algo ofensivo? Há três diferentes teorias: uma afirma que o termo vem do alemão "reiza" e indica "linha", "faixa"; há quem diga que vem do latim "radix", quer dizer, "raiz"; outros que vem do árabe "ras", ou seja, "princípio", "origem", ou ainda "razz", que significa "plantar", entrando nas línguas neolatinas pelo espanhol. Há ainda quem afirme que há relação com línguas eslavas, não entro nesse mérito por não ter muitos elementos... ignorância minha...
Gosto, e possivelmente com isso estou alimentando um mito, da hipótese de derivação do árabe. Porque os árabes estiveram tão presentes e por séculos na vida cotidiana da Península Ibérica que bem poderiam ter cunhado o termo "raça", não só ligado à origem familiar, a uma estirpe, mas ao sentido biológico que a palavra também comporta e que, parece, ninguém teme utilizar por medo de ofender a sensibilidade canina, felina ou bovina...
Agora a pergunta: se tivéssemos a mesma sensibilidade para com a origem das palavras, como temos em relação a certos eventos históricos, teríamos tantas reservas a termos como "raça"? Além da associação a eventos nefandos, não implicam também riqueza e positiva contaminação entre diferentes culturas?
Temo um pouco, e já comentei sobre isso refletindo sobre os efeitos do "politicamente correto", essa tendência iconoclasta de suprimir termos da cultura e de bani-los por seu "desrespeito" às diferentes sensibilidades da sociedade global. A nossa história está aí para demonstrar que a estratégia de "colocar uma pedra sobre o assunto" não é a melhor solução para a superação de conflitos sociais. Isso não ajudou, por exemplo, a minimizar o problema da discriminação aos negros (ops, afrodescendentes?) no Brasil.
Honestamente, eu preferiria ser considerada uma descendente de negros, não uma afrodescendente, e partir dessa posição afirmar peculiaridades, defender direitos e responsabilizar-me por meus deveres. O diálogo pressupõe diferenças. Se suprimimos, também através das leis, a possibilidade do confronto, afirmando uma suposta igualdade universal, acho que se reduz a confiança na capacidade dos cidadãos de promover a convivência pacífica com as diferenças. O excessivo controle do Estado sobre a nossa identidade cultural (e racial?) é um penhor que não quero deixar como herança a meu filho. Espero que aos políticos brasileiros não venha a ideia de copiar a velha França.
"Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
Pasmem: o conceito de raça está sendo posto em discussão.
E de onde parte a discussão? Da França. A França que já foi o centro da cultura ocidental e a França que não se rende agora que a cultura ocidental, em plena crise econômica (e não só), dá sinais de cansaço.
O presidente Hollande acaba de dar o pontapé inicial à reforma constitucional, cumprindo uma de suas promessas eleitorais: eliminar da constituição francesa o termo "raça", um termo praticamente banido do uso institucional e também da linguagem coloquial por sua relação histórica com o passado colonial, com a segregação das populações dominadas, com as teorias de supremacia racial do século XIX, chegando até os horrores de Segunda Guerra Mundial. O tema da "culpa europeia" em relação a outras populações do globo tem sido sentido na Europa e de certa forma "cobrado" dentro e fora do continente. Sinal dos tempos e da mudança do equilíbrio de forças entre as várias áreas do planeta.
Claro que a França não faria uma mudança constitucional por pressão internacional. Isso está fora de discussão. Se o presidente Hollande fez uma promessa e agora está tentando colocá-la em prática, isso é fruto de uma transformação da sociedade francesa, composta por novas gerações de filhos de imigrantes, franceses com uma raiz estrangeira, mas franceses. E um grande Estado deve saber acolher todos os seus cidadãos, com toda a riqueza cultural que comportam as suas raízes. Aliás, como fizeram os antigos romanos, levando ao auge o grande império.
Isso tem a ver com a língua? Tem, sempre tem. O que significa "raça", essa palavra que estão evitando como se fosse algo ofensivo? Há três diferentes teorias: uma afirma que o termo vem do alemão "reiza" e indica "linha", "faixa"; há quem diga que vem do latim "radix", quer dizer, "raiz"; outros que vem do árabe "ras", ou seja, "princípio", "origem", ou ainda "razz", que significa "plantar", entrando nas línguas neolatinas pelo espanhol. Há ainda quem afirme que há relação com línguas eslavas, não entro nesse mérito por não ter muitos elementos... ignorância minha...
Gosto, e possivelmente com isso estou alimentando um mito, da hipótese de derivação do árabe. Porque os árabes estiveram tão presentes e por séculos na vida cotidiana da Península Ibérica que bem poderiam ter cunhado o termo "raça", não só ligado à origem familiar, a uma estirpe, mas ao sentido biológico que a palavra também comporta e que, parece, ninguém teme utilizar por medo de ofender a sensibilidade canina, felina ou bovina...
Agora a pergunta: se tivéssemos a mesma sensibilidade para com a origem das palavras, como temos em relação a certos eventos históricos, teríamos tantas reservas a termos como "raça"? Além da associação a eventos nefandos, não implicam também riqueza e positiva contaminação entre diferentes culturas?
Temo um pouco, e já comentei sobre isso refletindo sobre os efeitos do "politicamente correto", essa tendência iconoclasta de suprimir termos da cultura e de bani-los por seu "desrespeito" às diferentes sensibilidades da sociedade global. A nossa história está aí para demonstrar que a estratégia de "colocar uma pedra sobre o assunto" não é a melhor solução para a superação de conflitos sociais. Isso não ajudou, por exemplo, a minimizar o problema da discriminação aos negros (ops, afrodescendentes?) no Brasil.
Honestamente, eu preferiria ser considerada uma descendente de negros, não uma afrodescendente, e partir dessa posição afirmar peculiaridades, defender direitos e responsabilizar-me por meus deveres. O diálogo pressupõe diferenças. Se suprimimos, também através das leis, a possibilidade do confronto, afirmando uma suposta igualdade universal, acho que se reduz a confiança na capacidade dos cidadãos de promover a convivência pacífica com as diferenças. O excessivo controle do Estado sobre a nossa identidade cultural (e racial?) é um penhor que não quero deixar como herança a meu filho. Espero que aos políticos brasileiros não venha a ideia de copiar a velha França.
Não é culpa minha ver-me branco quando me olhar no espelho e vejo no meu redor pessoas de todas cores do arco-iris. E divido todas essas pessoas em duas categorias:
ResponderExcluir- aquelas que considero meus irmãos, não tem importância a sua pobreza, a sua raça ou a cor da sua pele; essas são as pessoas boas e honestas;
- aquelas que seria melhor não existir na terra, todos os outros; essa categoria contem o 99% dos políticos.
Lucio Leonardi
Hoje o que vemos é uma sociedade global "arco-íris", como você diz. E é ótimo que seja assim. O grande desafio é justamente conviver com as diferenças e respeitá-las.
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