Nessa luta da ortografia nova contra a ortografia velha, um aspecto permanece estável e sempre confiável para dar ao discurso o tom que desejamos: a sintaxe. A estrutura sintática do português é muito rica, por isso, ficar somente nas fórmulas conhecidas dá a impressão de preguiça ou pouco conhecimento.
Em primeiro lugar, é preciso considerar a estrutura adequada para o objetivo que queremos atingir: não basta escolher o léxico, a estrutura da frase deve acompanhar, quer dizer, conta a forma e o conteúdo. Por exemplo, para informar, podemos escolher a forma passiva ou ativa. Escolhemos a passiva quando não importa o agente ou quando não convém dar peso ao agente; pelo contrário, a forma ativa evidencia quem pratica a ação. Notícias frescas: "O corpo de Autran Dourado foi velado no Rio de Janeiro"; "A Academia Brasileira de Letras concedeu a Autran Dourado, em 2008, o prêmio Machado de Assis" - dá para perceber a diferença?
Também é possível optar por uma forma nominal (ou ainda por uma nominalização da frase) ou por uma forma verbal. Dá para escolher entre período simples ou composto, por sua vez dividido em duas categorias, por coordenação ou por subordinação. Em relação a isso, o meu "desconfiômetro" sugere que o período simples tem levado grande vantagem na escrita jornalística, um efeito colateral da redução dos textos, da velocidade e da inflação de informação que caracteriza o período atual, e também de uma certa influência de estilo que interpenetra várias línguas unidas pelo fio comum das notícias globais.
Com toda essa variedade, só não se diferencia quem não quer.
Os perigos? Pessoalmente, eu tomo cuidado com esses verbos e/ou expressões características de algumas estruturas sintáticas:
- Poder / É possível: na minha opinião, é melhor reservar o uso desse verbo e dessa expressão para os casos em que há uma hipótese plausível. Implico com frases que já têm ar de clichê, como esta: "Semana começa com sol em SP; temperatura pode ficar acima de 30ºC". O que significa exatamente este "pode"? Não tem nada de errado, é que quase todas as previsões meteorológicas utilizam o mesmo esquema. Que tal utilizar "talvez atinja", ou "talvez supere", "talvez ultrapasse"? Só para variar...
- Haver: em geral é utilizado de forma impessoal, por isso, não caia na tentação de conjugá-lo! Esse é um erro muito recorrente nos jornais! Os jornais são um bom parâmetro? Sim, mas é melhor não confiar cegamente em tempos de economia na área de revisão.
- Dever: é outro verbo que está virando arroz de festa. Eu não gosto de utilizá-lo como sinônimo de "provavelmente", como é comum ler nos jornais em frases como esta: "A nota técnica com a lista das questões anuladas para os alunos do colégio deve ser divulgada ainda hoje". Observação: ninguém mais usa, mas, em casos nos quais o verbo "dever" indica uma probabilidade, o correto seria dizer "deve de ser...". Nos outros casos, o verbo "dever" indica geralmente uma obrigação. Aqui vai um exemplo de que eu gosto: "É um problema que deve ser identificado e erradicado".
- Ter/Fazer: convém ter cuidado com esses verbos, úteis em qualquer ocasião, por isso usados exageradamente, quando há outros sinônimos à disposição. Além disso, por substituírem e assumirem as características de outros verbos (como "haver"), corre-se o risco de utilizar mal esses verbos, fazendo concordâncias inexistentes...
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