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Aula de culinária para entender a gramática

Os italianos adoram comer. E adoram cozinhar. A mesma paixão que revelam quando se dividem entre times rivais, eles revelam quando se trata de defender a receita original e a mais original de um prato! A mesma paixão que revelam ao defender a sua seleção, mostram ao unirem-se contra qualquer tentativa de internacionalizar seus pratos, desfigurando a cor local.
O professor Massimo Montanari, da Universidade de Bolonha, escreve sobre o sentido de originalidade em um artigo do livro "Il Pregiudizio Universale" (um jogo de palavras com a expressão "juízo universal"; mas o título deve ser traduzido como "o preconceito universal", "pregiudizio" é um falso cognato). No caso, a noção de receita original parte de um típico prato da cozinha do Lácio, a massa à carbonara. O autor explica que há inúmeras receitas na rede e que o uso de alguns ingredientes chega a causar inimizades. É o amor pela cozinha e pela tradição. Quando uma receita é assinada por um cozinheiro, a preparação adquire nome e sobrenome. Fixa-se, mas se cristaliza. Para falar de receitas criadas por cozinheiros, Montanari usa o termo "fossilização", uma palavra que também empregamos na linguística, embora com um sentido diferente. Por isso, preferi usar o verbo "cristalizar".
Já a tradição é anônima, é o resultado de experimentos, tentativas, e não é garantido que seja imutável, pelo contrário, é sempre inserida na história, é móvel. Se uma receita pega, torna-se tradicional; se não pega, cai no esquecimento. O historiador interessa-se mais por esse processo, pelas condições que permitiram que uma receita se tornasse tradicional, do que pela receita inaugural. Montanari explica ainda que a cozinha é uma sala de concertos e a receita é como uma partitura: cada interpretação torna-se única.
Achei esse artigo muito interessante e acho que basta trocar a palavra "receita" por "língua" para entendermos sem espantos os processos de transformações aos quais as línguas são submetidas continuamente. As línguas também possuem uma gramática, como os pratos possuem uma receita. Muitas vezes, certas palavras são reservadas aos seus autores ilustres, que possuem licença poética, enquanto a maioria dos falantes, se as usassem, seriam rotulados de traição ao idioma. Os estudiosos da língua, como os especialistas em alimentação, também se interessam mais pelo processo que permitiu a uma palavra consolidar-se ou ser abandonada por seus falantes, embora nunca deixe de ter importância a palavra inaugural, a certidão de nascimento, a inscrição ou o documento na qual foi encontrada pela primeira vez.
Quanto à massa: segundo me disseram, a receita tradicional da carbonara não leva cebola. Digo isso correndo o risco de perder vários amigos italianos.

O título do artigo que mencionei é: "La carbonara senza cipolla, dogma infranto con la fantasia", de Massimo Montanari, La Repubblica, 18/11/2016 (não encontrei a versão online).

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