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O SILÊNCIO, UM DIREITO DESPREZADO

E pensar que o silêncio já foi preceito: hoje nós temos grande dificuldade de calar e, especialmente, de dar significado ao silêncio.

Ao contrário, a calúnia e a mentira vendem jornais e espaços publicitários; o direito de resposta aumenta ainda mais as vendas. A manipulação da linguagem está na ordem do dia e quem quer ganhar dinheiro e poder sabe as regras desse marketing.

Contra esses abusos não adianta usar decretos e leis. É preciso estar preparado para separar o joio do trigo. A tarefa não é fácil, justamente em uma sociedade de informação que sofre com a inflação de informações e, do ponto de vista negativo, aposta nessa inflação para criar mistificação.
Por outro lado, é cada vez mais evidente o papel dos formadores de opinião, cuja posição não se sustenta nos argumentos, mas especialmente na reputação do autor. Uma bobagem dita por quem tem credibilidade no mercado vale muito mais que o bom argumento do autor de série B. Isso vale para a comunicação de massa, mas também para a discussão com o grupo de amigos, com a turma do escritório, com a sua rede social.

Apesar de tudo, ainda acredito no silêncio. Que vale em qualquer circunstância e não tira o mérito de ninguém, pelo contrário. É mais fácil de entender como a lei do silêncio vale, se pensamos em alguém famoso: se a pessoa some ou não se pronuncia sobre certos assuntos, todo mundo quer saber o motivo. Quanto mais silêncio, mais especulação, mais curiosidade.

Os escritores sabem disso. Há escritores que manipulam magistralmente o silêncio para que mais se fale de suas obras. Mas há também os que sofrem muito com o silêncio da crítica, por exemplo. Conta-se que Machado de Assis ficou arrasado ao ter publicado Memórias Póstumas de Brás Cubas, um romance que estabalece uma ruptura na sua narrativa, mas que teve o azar de ser publicado no mesmo período em que Aluísio Azevedo publicava O Mulato, que marcou o início do naturalismo no Brasil. Azevedo teve de trocar o Maranhão pelo Rio de Janeiro por conta das críticas que recebeu, e que acabaram muito favorecendo a sua reputação literária. Machado, dizem, refugiou-se por uns tempos fora do Rio, para digerir a frieza da crítica em relação à sua obra, além da acidez de Silvio Romero, que era um crítico bastante renomado e não fazia muitas concessões a um Machado que não correspondia à sua visão de literatura. E qual será, aos olhos do leitor contemporâneo, o mais genial dos nossos escritores do século XIX?

Pois é. O silêncio exige tempo. De qualquer ângulo que se analise, o silêncio na linguagem é um recurso para ser observado a longo prazo.

E hoje, o que podemos fazer diante da inflação de informações, da dificuldade de separar fatos de opiniões, da falta absoluta de silêncio para uma pausa de reflexão e de decisão? Com informações abundantes todo cuidado é pouco e não basta confiar na credibilidade de quem veicula dados. É cada vez mais importante dominar as técnicas de uso da linguagem, é preciso aprender a garimpar fontes, é imprescindível que cada pessoa forme a sua própria opinião. Isso é promover uma linguagem libertadora.

Uma última anedota sobre os formadores de opinião: eu era bem jovem e tinha um programa de uma poderosa emissora de rádio que nós tínhamos apelidado de "A hora do PT" (parodiando "A hora do Brasil"). No programa matutino, o locutor fazia uma resenha crítica de todos os fatos locais, criticando o que podia (e o que não podia, se seguisse o código de ética profissional) na gestão do Olívio Dutra em Porto Alegre. E nunca deixava de repetir o slogan do programa: "não saia de casa sem opinião" (sem a opinião do jornalista, claro). É um daqueles exemplos que já nos anos da minha ingenuidade intelectual atiçaram a minha desconfiança. Desde então, nunca perdi o costume de ser impertinente, especialmente com os interlocutores que detinham algum poder. Muitas vezes incomodei e, o conselho mais condescendente que recebia era o de ir estudar em vez de criticar o que os outros faziam. Foi o que fiz. E não me arrependo.

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